Por Józimo de Sousa Assessor de Imprensa do TJ Negro e pobre, Samoel Martins Evangelista tinha tudo para passar pela vida sem ser notado. Mas aos 47 anos, além de notado, o primeiro desembargador negro do Acre é admirado e invejado – inveja boa, releve-se. Guiado desde criança pelos pais a zelar pela verdade e a nunca largar os estudos, aquele menino negro e pobre foi à luta. Começou a trabalhar muito cedo sempre em meio a muitas dificuldades, estudou a vida toda em escola pública, formou-se em Direito Na Universidade Federal do Acre e ocupou cargos de importância no Estado como secretário de Segurança em duas ocasiões, promotor e procurador de Justiça. Quarta-feira à noite, quando receber o cargo de presidente do Tribunal de Justiça do Acre, do desembargador Ciro Facundo de Almeida, em solenidade no Teatro Plácido de Castro, Samoel estará pondo os pés no degrau mais alto do Poder Judiciário acreano. “E confesso que chego lá muito orgulhoso”, disse semana passada, no início desta entrevista. Quem teve ou tem a oportunidade de conviver com o magistrado, sabe da humildade dele, o amor pelas coisas simples, a reverência e o desvelo pelas pessoas, sejam elas ricas ou pobres. O amor pelo Fluminense carioca só perde para a paixão pelas duas filhas e o neto. O desembargador Samoel só assume a Presidência do TJ dia 2, mas desde a eleição, ainda na primeira quinzena de dezembro, vem pensando a administração dos próximos dois anos. Sabe que 24 meses é pouco, mas quer, por exemplo, começar as obras da sede própria do TJ no centro administrativo de Rio Branco. Vai trabalhar para institucionalizar o Projeto Cidadão e a Justiça Comunitária Itinerante, tornando esses programas capazes de solucionar pequenos conflitos e acelerando a prestação da tutela jurisdicional. Defende o incentivo a prática da conciliação entre as partes como forma de diminuir o grande volume de processos que abarrotam as varas e promete criar o Juizado da Família que tratará da violência doméstica. A importância de ser presidente Isso aguça em mim a consciência de que a minha responsabilidade é maior ainda. Devido minha origem pobre, tenho a consciência de que devo tudo ao Estado do Acre e ao povo desta terra. Reconheço que a minha própria formação se deve aos cidadãos acreanos que com seus esforços e impostos custearam meus estudos nas escolas públicas e na Universidade Federal do Acre. E isso tudo me estimula a lutar mais ainda nos próximos anos, para de certa forma, poder compensar o que o Acre e os acreanos fizeram por mim e atender a essa confiança que eu sei que muitos em mim depositam. Agora, claro, que recebo com muito orgulho e honra o fato de poder, na terra onde nasci, presidir o Poder Judiciário. O Judiciário que deseja Eu imagino um Judiciário que mais e mais possa se aproximar do cidadão. Nós somos prestadores de serviço, estamos a serviço da sociedade, então toda concepção e filosofia de gestão do Poder Judiciário tem que ter em mente que estamos a serviço de um povo. O Judiciário é co-gestor da administração estadual. Eu não concebo o Judiciário como algo afastado da administração. Nós, com o Executivo e o Legislativo somos co-responsáveis pela administração pública. Ou seja, penso o Judiciário se aproximando cada vez mais do cidadão, mas também contribuindo para administrar bem o Estado. Prioridades Hoje é pacífico que em qualquer diagnóstico que se faça no Poder Judiciário brasileiro, o grande problema que está posto para ser resolvido é a morosidade da justiça. Todos os envolvidos na administração do Poder Judiciário têm isso bem presente. É fato que temos de pensar em soluções para esse problema que não passa, quero deixar bem claro, por falta de trabalho, falta de esforço, ou falta de dedicação dos magistrados e servidores. Pelo contrário, todos nós, magistrados e servidores, trabalhamos muito, nos dedicamos muito. O gargalo é o próprio sistema que emperra o poder e faz com que não se tenha uma prestação jurisdicional mais rápida. O desafio que elegi para mim mesmo, em relação a tudo isso, evidente que junto com os colegas que comigo administrarão o Tribunal (desembargadora Eva Evangelista, vice-presidente; Arquilau Melo, corregedor; Francisco Praça, presidente da Câmara Criminal e Izaura Maia, presidente da Câmara Cível), são soluções que a gente possa pôr em prática mesmo diante de um sistema processual arcaico que não atende o clamor do cidadão e nem do próprio poder. Mas mesmo com tudo isso nós temos que procurar soluções práticas que, ainda que não resolvam, mas que amenizem esse problema. A partir desse raciocínio, nós estamos pensando em algumas ações que venham trazer uma melhoria para nosso desempenho. Por exemplo, o Poder Judiciário tem que passar por uma modernização de gestão, e nesse sentido, entendo é necessário um estúdio visando uma reforma administrativa do poder. Nossa estrutura é antiga, de uma época em que a demanda era muito menor que agora e nós temos que atualizar esse modelo administrativo. Visando acelerar a prestação da tutela, é imprescindível que não tiremos de mente a contribuição que a informatização pode trazer para isso. O nosso processo de informatização está em curso e o que pretendo fazer é somente acelerar e interligar o Estado. A informática é uma ferramenta indispensável para acelerar os trabalhos. No primeiro ano vamos estender a interligação ao todo Vale do Acre e a Cruzeiro do Sul. No segundo ano, concluir a interligação de todo o Estado. Projeto Cidadão e Justiça Comunitária Todas essas formas alternativas de prestação jurisdicional terão uma atenção especial em nossa administração. Esses programas são imprescindíveis. O Poder Judiciário não pode mais viver sem essas experiências. Eu penso que o Projeto Cidadão precisa ser ampliado. Tem que prestar a tutela jurisdicional. Alguns conflitos pequenos podem ser solucionados no próprio Projeto Cidadão. Assim, desafogaremos a justiça tradicional e facilitaremos o acesso do cidadão à justiça. Faremos o mesmo com a Justiça comunitária quer tem produzido excelentes resultados. Eu vou tentar institucionalizar esses programas. Evidente que precisarei levar isso à Corte e os colegas desembargadores precisam apoiar, aceitar a proposta. Juizado da Família Nossa gestão irá priorizar os Juizados Especiais. Pretendo dar uma atenção toda especial a essas unidades. Em Rio Branco, por exemplo, nós vamos transformar o anexo do Juizado Especial Cível do Campus Universitário num Juizado Especial Cível e Criminal. Ali é um escritório modelo e os estudantes de Direito da Ufac precisam passar pela prática tanto na área cível quanto na criminal. Um problema comum no Estado nos últimos anos é a violência doméstica. O agressor doméstico tem que ter um tratamento diferente, não pode ser tratado como um criminoso comum. E nós estamos discutindo com a Secretaria de Segurança a instalação de um Juizado Especial Criminal de Família, onde o agressor, além da pena alternativa de prestação de serviço e pagamento de um sacolão, por exemplo, passaria por um processo de terapia, porque nós temos que descobrir as causas que levam essa pessoa a agredir um parente dentro de casa. Valorização do servidor O servidor do Poder Judiciário foi elevado ao patamar constitucional. A reforma do Judiciário atribuiu ao servidor a incumbência, inclusive, de praticar alguns atos que dispensam a participação dos juízes. Ele tem que ter uma atenção especial, tem que ser muito mais valorizado que antes. Nós temos que pôr em prática um projeto de capacitação e valorização desse servidor. Quando f alo em valorização não estou me referindo apenas a salários. Existem várias maneiras de valorizar o servidor, um exemplo é permitindo que ele consiga fazer uma especialização. O Poder tem que estimular o serventuário que não tem nível superior a fazer um curso de 3º grau. Isso é importante porque à medida em que o servidor vai dando esses passos, os reflexos vão surgindo na vida funcional dele. Tem que ser assegurado a esse servidor uma certeza quanto a movimentações na carreira. A Assessoria de Recursos Humanos, ligada à Presidência, será o nossos sustentáculo na implementação de políticas que venham efetivamente valorizar os servidores. O que quero deixar muito bem claro é que em todo local por onde eu passei gerindo, o servidor sempre recebeu um tratamento muito especial. A minha opinião é a de que nenhuma instituição, organização ou entidade funciona e alcança sucesso sem a colaboração do servidor, por isso temos que mantê-lo motivado já que é dele que depende o funcionamento de toda a engrenagem. O servidor insatisfeito, sem motivação, faz com que toda a organização pare ou não funcione bem. Os servidores do Poder Judiciário podem ter certeza que o que for possível, claro, dentro das nossas limitações, será feito para que recebam uma atenção muito carinhosa, especial mesmo. Concurso para juiz Nós temos hoje um déficit no que tange a juiz, considerando o número de magistrados que tínhamos em 2002. O que pretendo é fazer um concurso para repor pelo menos aquele número que perdemos, que são seis. Ou seja, nós vamos trabalhar para realizar já neste ano um concurso para a admissão de seis juízes. Incentivando a conciliação Nossa gestão está pensando em alguma mudança em relação a competência das varas. Acho que algumas varas precisam de algumas reavaliações. Talvez nós tenhamos que fazer alguma modificação de competência. Varas que estão sobrecarregadas devem ter alguma competência levada para outras, especializações que hoje ainda existam talvez não se façam mais necessárias e assim devemos criar novas especializações. Nós iremos ainda estimular a conciliação. As Varas de Família, por exemplo, estão abarrotadas de processo, o volume é muito grande e não há condições, muitas vezes de encurtar essa pauta de audiências. Existe Vara de Família em Rio Branco que tem 750 audiências agendadas, ou seja, a pauta vai ser jogada para alguns meses ainda. São questões que muitas vezes podem ser solucionadas por intermédio da conciliação, onde necessariamente nós não temos que ter a presença do juiz. Nós podemos ter ali um assistente social, um psicólogo, um bacharel em Direito fazendo esse contato preliminar entre as partes tentando a conciliação e isso facilita enormemente o trabalho do juiz, porque o juiz é um servidor caro e na minha compreensão, o magistrado só deve ser chamado a intervir naqueles casos em que o conflito se instale e se há um servidor – e a Constituição Federal hoje autoriza que a gente utilize o servidor para isso – que pode buscar essa conciliação, livrar o juiz desse trabalho, nós temos que recorrer a ele. Então a idéia é que a gente crie grupos de conciliação com objetivo de atuar nesses pontos específicos onde já foi detectado o gargalo. Penas Alternativas Essa iniciativa, implantada na gestão do desembargador Arquilau de Castro Melo e que recebeu grande incentivo do presidente Ciro Facundo de Almeida, receberá da nossa administração toda atenção que merecer. Na verdade, o sistema prisional tradicional está falido. Hoje só deve ser encarcerado aquele elemento que realmente não pode estar no convívio social. Se existe a possibilidade de aplicar uma pena alternativa ao criminoso, de forma que o delito por ele cometido receba uma reprimenda, mas que ele continue sendo útil à sociedade, isso tem de ser levado adiante. Nesse ponto, as Centrais de Penas Alternativas são essenciais porque são elas que fiscalizam, vão atrás daqueles locais onde o perfil daquele reeducando se encaixa. Ou seja, o serviço, além de continuar, tem de ser ampliado. E vamos trabalhar para instalar a Cepal na região de Brasiléia e Sena Madureira. Comunicação Social Essa área receberá uma atenção especial em nossa administração. A página do tribunal na internet será uma importante ferramenta de comunicação entre magistrados e entre a sociedade e o Poder Judiciário. A comunicação social terá o objetivo também, em nossa gestão, de facilitar o acesso do cidadão aos serviços da justiça. A edição da Revista de Julgados do Tribunal de Justiça também terá uma atenção especial, afinal, ali está toda a história do Acre desde 1963 até os dias atuais. Queremos ainda neste semestre promover o primeiro Prêmio de Jornalismo sobre o Poder Judiciário e realizar um seminário envolvendo juízes e jornalistas para estreitarmos nossas relações e um conhecer melhor o outro. Além disso, vamos publicar duas cartilhas, uma destinada aos jornalistas e outra aos magistrados. Tenho em mente que sem comunicação, comunicação eficiente, diga-se, é impossível chegarmos a algum lugar. Assessoria eficiente Temos que procurar pessoas que têm o ponto de vista da política que você está traçando. O Tribunal de Justiça é muito rico do ponto de vista de recursos humanos. O presidente Ciro Facundo conseguiu montar uma excelente equipe. Alguns estão o acompanhando porque fazem parte do gabinete dele e esses espaços, claro, a gente vai ter de preencher. Mas não vejo nenhum problema, temos gente muito bem preparada aqui dentro. O importante é que essa equipe se afine tanto com a filosofia do projeto que vamos executar, tenha compromisso com a instituição e sobretudo com o futuro do Estado do Acre. O TJ do futuro Ao final dos dois anos de nossa administração, quero entregar o Tribunal de Justiça como uma instituição que corresponda às expectativas do cidadão. Temos que deixar um poder que preste ao cidadão aquele serviço que ele espera, um poder que possa, sobretudo, ter pelo menos conseguido pôr em prática as realizações que temos em mente e que estejam a altura dos anseios da população, como um eficiente distribuidor de Justiça, integrado à sociedade.
Desembargador Samoel prega justiça com a cara do povo
Assessoria | Comunicação TJAC