Por Toinho Alves Mais um antigo se vai. O cronista Aloísio Maia juntou-se aos amigos Zé Leite, Garibalidi, Vieira, Foch, Edison e tantos outros que estão agora fazendo mais uma festa no céu. Grande Aloísio, Deus lhe dê ainda mais luz. Vou lembrar sempre das molecagens dele e do Zé na redação do extinto jornal O Rio Branco, onde ele chegava, no final da tarde, para entregar sua “Crônica da Cidade”. Arrastava uma cadeira pela sala, fazendo um barulho medonho; tirava o cigarro da boca do Zé Leite e atirava no chão; rasgava papel e jogava no ventilador; e perguntava “o que é, vai dizer alguma coisa?” O Zé balançava a cabeça e nos explicava: “ele não teve infância”. Seu texto era assim, simples e bem humorado. Português correto a serviço do acreanês legítimo. Olhar atento para as modas e costumes, o falar do povo e as futricas da política, que eram tratadas com ironia leve e fina. Dei boas risadas com algumas de suas crônicas. Lembro de uma delas, hilária, em que brincava com o amigo Wildy Viana (pai do Jorge, governador) que, na condição de secretário de agricultura, durante o governo de Flaviano Melo, decidiu investigar o sumiço dos pintos do Aviário estadual. Wildy queria saber onde tinham ido parar os pintos, milhares deles, e o caso foi bater na imprensa. Aloísio brincou com o assunto, levantou a possibilidade de um ataque de mucuras e encerrou a crônica com uma sugestão ao secretário: coloque um pouco de milho numa cuia e saia pela cidade, balançando e chamando “tu tu tu tu…” Histórica é a crônica, após uma eleição lá pelo final dos 60, início dos 70, em que dizia que os derrotados iriam descer o rio numa balsa e ficariam em Manacapuru, no barranco do rio, ouvindo o choro do surubim. Era o início deste divertido capítulo do folclore político acreano, a balsa, que tinha precedentes históricos tragicômicos nos tempos do Território e foi reinventada pelo gênio do cronista. Tentou a televisão, como repórter, entrevistador, tudo. Era péssimo, não agüentou a gozação do Zé Leite e largou. Fez freguesia e amizade como advogado. Andava pelo centro da cidade com um paletó horrível no braço e uma gravata ainda mais feia no bolso; na hora da audiência, perante o juiz, colocava rapidamente o paletó e a gravata, compondo um tipo esquisitíssimo mas de grande eficiência, pois entendia tudo de Direito e também um pouco do avesso. Ontem, quando o pessoal da Rádio Aldeia FM me ligou pedindo que falasse algo sobre o Aloísio, lembrei-me de uma de suas brincadeiras. Foi justamente no enterro do Zé Leite. Como acreano velho, o Zé tinha, algum dia, manifestado o desejo de que seu enterro fosse a pé, nada de carreata até o cemitério. Bem, o caixão foi no carro da funerária e nós seguimos andando. Aproximei-me do Aloísio, preocupado. Já entrara em idade incerta, perdera seu melhor amigo e ainda tinha que subir aquela ladeira… Puxei uma conversa qualquer e fui andando, ao lado dele, para observá-lo. De repente, chegou o Xangai, num carro da Rádio Alvorada, com um microfone na mão, perguntando: vocês poderiam falar alguma coisa sobre o Zé Leite, para a nossa reportagem? Aloísio me olhou com um jeito de moleque e respondeu: “claro, agora é que está bom de falar dele, que não pode mais reagir!”. Na curva do rio Acre, descendo ao encontro do Purus, desaparece o batelão “Madame Janete”, nome que ele colocou no barco de suas aventuras para homenagear sua mais famosa personagem, a maior vidente de todos os tempos. Aloísio Maia navega agora no rio de nossa memória.
O Espírito da coisa: O cronista da cidade
Assessoria | Comunicação TJAC