SAUDAÇÃO AO DESEMBARGADOR PEDRO RANZI Discurso pronunciado na Sessão Solene de Posse do Juiz de Direito ― PEDRO RANZI ―, no cargo de Desembargador do Egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ACRE, no dia 03 de junho, no Teatro Plácido de Castro. – RIO BRANCO – ACRE – – 2.005 – AO POVO GAÚCHO “Conheço, pela história e pela tradição, o que é o grande coração gaúcho, e de modo particular, o que representa este pugilo de heróis que, no passado, continuando através do presente, vêm interferindo decisivamente no curso dos acontecimentos, criando ou modificando os destinos do Brasil” (1) __________________________ 1. BUZAID, Alfredo, Ensaio para uma revisão do sistema de recursos no código de processo civil. In Estudos de direito. São Paulo: Saraiva, 1972. v. 1. p. 79. GAÚCHOS Prêmio em 1994 com o troféu Mercosul na Califórnia da canção Nativa de Uruguaiana Venho dos anseios grandes, das três pátrias maldomadas que empurraram a trompadas os rios – as pampas e os andes, na gesta dos quatro sangues, onde nasceu o gaudério, irmanando o “Tio Lautério”, ao “Martin Fierro de Hernandes”! Trago na genealogia, índios – negros – lusitanos, mestiços e castelhanos, brotados da geografia que à hora em que me paria, livre de mal e quebranto, parou pra ouvir meu canto, mesclado com ventania! Me alargaram as retinas, de tanto bombear distâncias, no vai e vem das estâncias das pampas continentinas; herdei a cruz das batinas, mas sou dos mesmos sinuelos, dos “lusíadas” de pêlos e os “dom quixotes” de clinas! Talvez daí – a rebeldia, baguala – que me norteia, eu que nasci da peleia mundo – “a la cria”; era meu, tudo o que havia, na terra que já foi séria, onde exploram a miséria e comem a geografia! Apesar disso – mantenho aquelas glórias que herdei, escravo que já foi rei, conservo as baldas que tenho, sempre no melhor empenho, sem nunca perder o jeito, no sacrossanto direito de me orgulhar de onde venho! Gaúcho – gaúcho – que encerra a própria ancestralidade! mataram-me a identidade que foi bandeira de guerra; o vento xucro que berra, atesta essa realidade: – das léguas de liberdade, não resta um palmo de terra! (2) __________________________ 2. BRAUN, Jayme Caetano. 50 anos de poesia/: Antologia poética. 4. ed. Porto Alegre, Martins Livreiro – -Editor, 2.000. p. 20-21. DEDICATÓRIA Aos eminentes Desembargadores: 1. MINERVINO BEZERRA DE FARIAS, ex-Presidente, hoje aposentado; 2. EVA EVANGELISTA DE ARAÚJO SOUZA, ex-Presidente, atual Decana e Vice-Presidente; 3. MIRACELE DE SOUZA LOPES BORGES, ex-Presidente e atual Membro da Câmara Cível; 4. LOURIVAL ALVES DA SILVA, ex-Presidente, hoje aposentado; 5. ARQUILAU DE CASTRO MELO, ex-Presidente e atual Corregedor–Geral da Justiça; 6. ANANIAS GADELHA FILHO †; 7. CIRO FACUNDO DE ALMEIDA, ex-Presidente e atual Membro da Câmara Cível; 8. FELICIANO VASCONCELOS DE OLIVEIRA, atual Membro da Câmara Criminal; 9. SAMOEL MARTINS EVANGELISTA, atual Presidente; 10. ISAURA MARIA MAIA DE LIMA, atual Presidente da Câmara Cível; e 11. PEDRO RANZI, meus ex-alunos na UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE, dedico, ex toto corde, esta humilde Saudação ao Desembargador PEDRO RANZI. SUMÁRIO ASSUNTO PÁGINAS 1. PALAVRAS INICIAIS 9-10 2. DESEMBARGADOR PEDRO RANZI – 27º (VIGÉSIMO SÉTIMO) MEMBRO E 2º (SEGUNDO) GAÚCHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ACRE 10-11 3. A IDADE E A EXPERIÊNCIA DO DESEMBARGADOR PEDRO RANZI 11-14 4. PEDRO RANZI VISTO POR SEU IRMÃO ― ALCEU RANZI 15-19 5. PEDRO RANZI ― UM MAGISTRADO DE “IMPECÁVEL ÉTICA” 19-22 6. ÚLTIMAS PALAVRAS 22-24 1 – PALAVRAS INICIAIS EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ACRE ― DESEMBARGADOR SAMOEL MARTINS EVANGELISTA: EXCELENTÍSSIMO SENHOR GOVERNADOR DO ESTADO ― ENGENHEIRO FLORESTAL JORGE NEY VIANA MACEDO NEVES: EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA AUGUSTA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO ― DEPUTADO SÉRGIO OLIVEIRA. SENHORES DESEMBARGADORES: DEMAIS AUTORIDADES: SENHORAS: SENHORES: É de nossa tradição que o Presidente da Seccional da OAB compareça às Sessões Solenes dos Tribunais, especialmente às de Posse dos novos Membros, fazendo uso da palavra. Por motivo de saúde, pediu-me Sua Excelência, o Doutor ADHERBAL MAXIMIANO CAETANO CORREA, que o representasse nesta Solenidade. E pediu-me, também, que agradecesse a VOSSA EXCELÊNCIA ― Desembargador SAMOEL MARTINS EVANGELISTA ― o honroso convite. Estejam todos, no entanto, certos de que, ausente, embora, o Presidente de nossa Seccional está, entre nós, em espírito, porque, como escreveu RUI, em sua famosa Oração aos moços: “Embora o realismo dos adágios teime no contrário, tolerem-me o arrojo de afrontar uma vez a sabedoria dos provérbios. Eu me abalanço a lhes dizer e redizer de não. Não é certo, como corre mundo, ou, pelo menos, muitas e muitíssimas vezes, não é verdade, como se espalha fama, que “longe da vista, longe do coração” (3) É claro que, por mais que me esforce, as minhas palavras não terão o brilho que teriam as do Doutor ADHERBAL MAXIMIANO CAETANO CORREA, nosso BÂTONNIER. __________________________ 3. BARBOSA, Rui, Oração aos moços. Edição Nacional, promovida pela Comissão Organizadora do Congresso Brasileiro de Língua Vernácula, em Comemoração do Centenário de Rui Barbosa. Estabelecimento do texto, prefácio e breves notas explicativas por Carlos Henrique da Rocha Lima, da Academia Brasileira de Filologia. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1949. p. 5-6. 2 – DESEMBARGADOR PEDRO RANZI ― 27º (VIGÉSIMO SÉTIMO) MEMBRO E 2º (SEGUNDO) GAÚCHO ― NO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ACRE VOSSA EXCELÊNCIA, caríssimo Desembargador PEDRO RANZI, é o 27º (vigésimo sétimo) Membro desta Egrégia CORTE e o segundo gaúcho a ter assento neste Sodalício. Nossa história registra: 9 (nove) Desembargadores acreanos (4); 3 (três) mineiros (5); 3 (três) fluminenses (6); 2 (dois) paraenses (7); 2 (dois) gaúchos (8), 1 (um) paranaense (9); 1 (um) paulista (10); 1 (um) carioca (11); 1 (um) goiano (12); 1 (um) capixaba (13); e 1 (um) amazonense (14). E dos 27 (vinte e sete), 11 (onze) foram meus alunos na UFAC: os Desembargares MINERVINO BEZERRA DE FARIAS, EVA EVANGELISTA DE ARAÚJO SOUZA, MIRACELE DE SOUZA LOPES __________________________ 4. LOURIVAL MARQUES DE OLIVEIRA; MINERVINO BEZERRA DE FARIAS; EVA EVANGELISTA DE ARAÚJO SOUZA; MIRACELE DE SOUZA LOPES BORGES; ARQUILAU DE CASTRO MELO; ANANIAS GADELHA FILHO †; FELICIANO VASCONCELOS DE OLIVEIRA; SAMOEL MARTINS EVANGELISTA e IZAURA MARIA MAIA DE LIMA. 5. JOSÉ LOURENÇO FURTADO PORTUGAL †; PAULO ITHAMAR TEIXEIRA † e GERCINO JOSÉ DA SILVA FILHO. 6. JOSÉ BENTO VIEIRA FERREIRA †; JÁDER BARROS FIRAS † e NIELSE GONÇALVES MOUTA. 7. FERNANDO DE OLIVEIRA CONDE e LOURIVAL ALVES DA SILVA. 8. CARLOS ALVES CRAVO e PEDRO RANZI 9. MÁRIO STRANO † 10. PAULO POLLY NEPOMUCENO 11. JORGE ARAKEN FARIA DA SILVA 12. WANDERLEY NONATO DE OLIVEIRA 13. ELIEZER MATTOS SCHERRER 14. JERSEY PACHECO NUNES BORGES, LOURIVAL ALVES DA SILVA, ARQUILAU DE CASTRO MELO, ANANIAS GADELHA FILHO †, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA, FELICIANO VASCONCELOS DE OLIVEIRA, SAMOEL MARTINS EVANGELISTA, ISAURA MARIA MAIA DE LIMA e PEDRO RANZI, aos quais dedico esta humilde Saudação. Estou certo, por isso, de que os SENHORES hão de compreender a alegria que me vai n’alma, ao saudar, em sua Posse neste TRIBUNAL, a que pertenci por duas décadas, mais um ex-aluno. 3 – A IDADE E A EXPERIÊNCIA DO DESEMBARGADOR PEDRO RANZI Nascido no dia 29 de junho de 1947, em Espumoso, no Rio Grande do Sul, o ilustre empossado assume o cargo de Desembargador desta CORTE DE JUSTIÇA aos 58 (cinqüenta e oito) anos, que é uma idade madura. E isso é muito importante. E o é, porque “A experiência é a mestra de todas as coisas (“Rerum omnium magister usus”) ― como dizia CÉSAR (15). __________________________ 15. CÉSAR (101-44 a.C.) A guerra civil Apud RÓNAI, Paulo. Dicionário universal Nova Fronteira de citações. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1985. p. 343). FABREGUETTES, em sua clássica obra ― La logique judiciaire et l’art de juger, ― afirmava que “Pour juges les autres, il faut l’experience de la vie” (16) E quando FABREGUETTES, em 1926, escreveu que, “Para julgar os outros, é preciso experiência de vida”, ele era Président du Tribunal des Conflits et de la Commission Supérieure de Cassation; Conseiller a la Cour de Cassation; Membre de l’Académie des Sciences, Inscriptions et Belles Lettres; Membre de l’Académie de Législation de Toulouse et Commandeur de la Légion d’Honneur. E do nosso FARIAS BRITO, considerado o maior filósofo brasileiro, são as seguintes e sábias palavras: “… tudo vem de longe e nada do que é grande começou grande” (17) __________________________ 16. FABREGUETTES, M. P. La logique judiciaire et l’ art de juger. Deuxième édition, revue et augmentée. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1926. p. 13. “La première édition de cet ouvrage a été publiée dans le premiers mois de 1914”. 17. BRITO, Raimundo de Farias. A finalidade do mundo. Fortaleza, 1894. v. 1 Introdução, § VII. p. 27. “Natural do Ceará, em cuja vila de São Benedito nasceu a 24 de julho de 1864, vindo a falecer aos cinqüenta e três anos, no Rio de Janeiro, em 1917. Fez o curso de Direito em Recife, recebendo o grau em 1884. Exerceu vários cargos públicos em sua Província e em 1899 transferiu-se para Belém do Pará, como lente substituto da Faculdade de Direito, lecionando também a cadeira de Lógica no Ginásio Paes de Carvalho”. “De 1909 em diante, assistiu no Rio de Janeiro, onde foi nomeado lente de Lógica do Colégio Pedro II. Mas, além do exercício do Magistério Superior por 25 (vinte e cinco) anos e da Magistratura por 17 (dezessete), o Desembargador PEDRO RANZI foi, também, Prefeito Municipal de Cruzeiro do Sul, o que lhe amplia a visão geral (a gestalt, como dizem os alemães), na apreciação dos conflitos de interesses. E em relação à idade, SÓCRATES já dizia não convir que “o juiz fosse moço, senão de idade madura” (18). E não se pode esquecer, também, as ponderações do Ministro MÁRIO GUIMARÃES, em sua obra ― O juiz e a função jurisdicional ―: “A ciência do Direito é tão difícil e tão falível o entendimento humano, que bem pode acontecer que o juiz de segunda instância, supondo estar com a razão seja quem, na verdade, labore em erro”. __________________________ Espírito investigador e meditativo, FARIAS BRITO surge como verdadeiro filósofo, tal a base em que assenta convictamente a sua forte e sincera obra de pensador e espiritualista”. ………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………. “Dentro do campo de estudos a que se volveu desde moço, FARIAS BRITO publicou as seguintes obras: Finalidade do Mundo, em que integram A Filosofia como Atividade Permanente do Espírito Humano (Ceará, 1895), A Filosofia Moderna (Ceará, 1889) e Evolução e Relatividade (Pará, 1905); e A Verdade como Regra das Ações (Pará, 1905), A Base Física do Espírito (Rio, 1912) e O Mundo Interior (Rio, 1915) (BARRETO, Fausto e LAET, Carlos. Antologia nacional ou coleção de excertos. 29. ed. anotada ou adaptada ao programa do 2º ciclo do curso secundário pelo Prof. M. DALTRO SANTOS. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1951. p. 160). 18. PLATÃO. A República. 6. ed. Tradução de Albertina Pinheiro. São Paulo: Atena Editora, s.d. Biblioteca Clássica, v. 38. p. 132. “A decisão de segunda instância tem apenas por si a presunção moral e legal, de mais certa. Cientificamente, porém, valerá conforme a força dos argumentos e de suas conclusões. A frase de ULPIANO é de advertência: bene latas sententias in pejus reformet” (19). E citarei, por fim, as sábias palavras do saudoso Ministro CARLOS MAXIMILIANO, em sua magistral obra ― Hermenêutica e aplicação do direito: “Quantas vezes se observa achar-se no voto vencido, de alto juiz, ou na sentença reformada, do pequeno, do novo, estudioso e brilhante, a boa doutrina, tímida, isolada, incipiente hoje, triunfante, generalizada amanhã” (20). __________________________ 19. GUIMARÃES, Mário. O juiz e a função jurisdicional. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 365. Magistrado de carreira, o Ministro MÁRIO GUIMARÃES foi Presidente do Egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (1944), cargo para o qual foi reeleito, permanecendo na Presidência até 1950. Por decreto de 26 de maio de 1951, do Presidente GETÚLIO VARGAS, foi nomeado Ministro do Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, para a vaga decorrente da aposentadoria do Ministro LAUDO FERREIRA DE CAMARGO, tomando posse em 28 do mesmo mês (cf. LAGO, Laurêncio. Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal: dados biográficos 1829-2.001, Brasília, Supremo Tribunal Federal, 2.001. p. 354-355). 20. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 9. ed. 3. tirag. Rio de Janeiro: Forense, 1984. N. 201-VI. p. 185. Este era o “livro predileto” de CARLOS MAXIMILIANO, que foi Advogado (1898-1914 e 1918-1934); Deputado Federal (1911-1914 e 1919-1923); Ministro da Justiça e Negócios Interiores (1914-1918); Consultor-Geral da República (1932-1934); Deputado à Assembléia Nacional Constituinte (1933–1934); Procurador-Geral da República (1934-1936); e Ministro da Corte Suprema (1936-1941). (cf., também, BUZAID, Alfredo. Ensaio para uma revisão do sistema de recursos no código de processo civil. Conferência proferida em 1953, na Faculdade de Direito de Pelotas, da Universidade do Rio Grande do Sul. In Estudos de direito. São Paulo: Saraiva, 1972:. “É certo que os tribunais de segunda instância também erram. Mas não é menos verdade que eles reúnem maior tirocínio e experiência, além de cultura adquiridas ao longo dos anos no exercício da função judiciária” (p. 103). 4 – PEDRO RANZI VISTO POR SEU IRMÃO ― ALCEU RANZI DESEMBARGADOR PEDRO RANZI: Por telefone, pedi a seu irmão ― Professor-Doutor ALCEU RANZI ― que traçasse um perfil de VOSSA EXCELÊNCIA, de PEDRINHO a PEDRO RANZI. Atendendo ao meu apelo, ALCEU RANZI escreveu–me a seguinte carta: “Florianópolis, 18 de fevereiro de 2.005. Dr. Jorge Araken Faria da Silva Rio Branco ― Acre Estimado Dr. Araken: Saúdo-o fraternalmente ainda recordando as longas e prazerosas conversas que tivemos em Cruzeiro do Sul por ocasião do Centenário daquela cidade acreana (28 Setembro 2004). Esta carta é a resposta ao vosso telefonema, solicitando-me para escrever “memórias” do meu irmão Pedro Ranzi ― o nosso Pedrinho. O Pedro Ranzi é neto do Carlo Ranzi, migrante italiano que chegou com sua família ao Brasil em 1875. Os Ranzi foram pioneiros da colonização italiana no Rio Grande do Sul. A família Ranzi se estabeleceu na Colônia Isabel, atual Bento Gonçalves-RS. O dito Carlo Ranzi nasceu em Gardolo/Trento/Itália em 1874 ― chegou ao Brasil ainda um bebê. Na época, a Província Autônoma de Trento pertencia ao Império Austro-Húngaro (1867–1918), sendo que o Carlo Ranzi (nosso avô) era um Trentino da Itália irredenta. O Carlo Ranzi contraiu núpcias em 1895 com Regina Giacomello, também migrante italiana, da região do Vêneto. Depois de casados, adquiriram terras e organizaram nova propriedade no interior da cidade de Encantados-RS. Carlo e Regina tiveram 12 filhos, o último foi o Saul Ranzi, pai do Pedro. O Pedro nasceu no interior do município de Espumoso-RS, na localidade Pontão do Butiá, o quarto na ordem de nascimento de uma família de oito irmãos. A nossa mãe Carolina Basso era neta de imigrantes italianos, oriundos de Piombino Dese – Província de Pádova. O Saul, nosso pai, era proprietário rural – plantava trigo, milho, criava gado, vacas de leite e suínos. Nesta propriedade paterna, aproveitando uma queda de água, de um pequeno arroio, foi instalado um moinho – para moer trigo e milho. A mesma queda de água fazia girar um “dínamo” que fornecia luz elétrica para a propriedade. Assim transcorria nossa infância – com simplicidade aliada à fartura – e irmãos e primos para explorar a natureza. Na mata havia a temporada das frutas – pitangas, cerejas, araticuns. O pinhão era assado com as próprias grimpas do pinheiro. Lembro do Pedro bom pescador – lambaris, “sardelas”, jundiás e “bisatas” – de quando em vez um “tambicu”. O arroio servia também para os banhos, o aprendizado de natação teve como bóias dois porongos amarrados com um cordão. Chegou o tempo da escola. Lembro do Pedro cursando o Ginásio São José em Soledade-RS, encarando as aulas do “durão” professor de matemática João Provin. O João Provin, dava aulas calçando botas, usando bombachas e lenço no pescoço. Aos seus alunos o Prof. Provin dava notas sempre baixas chegando ao terrível atestado de incompetência de – 1 (menos um). E desse tempo que recordo do Pedrinho como um bom jogador de futebol, com certeza não era atacante, talvez um zagueiro. Outra fase foi a de Passo Fundo-RS, onde o Pedrinho se associou aos Irmãos Maristas do Colégio Conceição e do Champagnat. Em 1969 o Pedrinho recebeu um convite para acompanhar os Irmãos Maristas e contribuir com o ensino em Cruzeiro do Sul, no distante Acre. Em 1971 reencontrei meu irmão em Cruzeiro do Sul, onde também fui a convite do Bispo D. Henrique Ruth. Era tarde chuvosa de maio, fui recebido debaixo da asa do DC3, pelo Prefeito Municipal Moacir Rodrigues, pelo Vigário da Catedral Pe. Karl Kunz e pelo Pedrinho. Seguimos pelas estradas e ruas enlameadas de Cruzeiro do Sul em um jipe com tração nas 4 rodas. Foram anos tranqüilos em Cruzeiro. Sem pertencer a uma Ordem Religiosa, fomos recebidos pelo Vigário e passamos a compartilhar a Casa Canônica, com o Padre Kunz e o Padre Theodoro, da Ordem dos Espiritanos alemães. Éramos assíduos nos Novenários de Nossa Senhora da Glória, nos banhos do Igarapé Preto e dos bailes do Clube Juruá. Ministrávamos aulas na Escola Técnica Flodoardo Cabral. Para chegar à Escola caminhávamos pelas ruas sem pavimento de Cruzeiro do Sul. Na Escola a primeira providência era fazer funcionar o motor acoplado a um gerador de energia – iluminação para as aulas noturnas. Muitas vezes o Pedrinho chegava para as aulas exausto e cheirando à gasolina. Era necessário abastecer o motor com combustível em lata e fazer o velho motor funcionar. Em Cruzeiro do Sul o Pedrinho tornou-se um homem público. Em 1971, aos 23 anos, foi nomeado Prefeito, pelo Governador Wanderley Dantas. O Pedrinho então incompatibilizou-se com o Comandante do 7º BEC, o que levou à sua renúncia do cargo. Na época o Comandante do 7º BEC era o Coronel Job Lorena de SantAnna, que ficaria famoso muito mais tarde por tocar o inquérito que não responsabilizou militares pela explosão da bomba no Riocentro em maio de 1981. Depois em Rio Branco fomos contemporâneos na UFAC Centro. No ano de 1975 lideramos a Chapa Batelão e ganhamos o Diretório Central dos Estudantes. O nome Batelão foi sugerido pelo professor Clodomir Monteiro – hoje Presidente da Academia Acreana de Letras – o nosso “marqueteiro” da época. As outras chapas era lideradas pelos falecidos João Aguiar e Edmundo Pinto, este último foi assassinado enquanto Governador do Estado. A Chapa Batelão estava sob a minha liderança, mas fui “cassado” por uma ação movida por João Aguiar. O Pedrinho me substituiu e foi eleito Presidente do DCE. Na UFAC o Pedrinho formou-se em Direito – eu segui o caminho das ciências naturais. Aprovado em concurso para Juiz, o Pedrinho foi designado para a Comarca de Cruzeiro do Sul, cidade da qual já havia sido Prefeito – como já foi dito acima. Da nossa infância/adolescência o Pedrinho guardou a apreciação pelas pescarias. Não mais arroios gaúchos, mas nos rios e lagos da Amazônia. Não mais “sardelas” e “bisatas”, agora os peixes eram outros, entre os quais tucunarés e surubins. Assim Dr. Jorge Araken, penso ter atendido o vosso pedido com as “memórias fraternas” di mio fratelo Pedrinho. Aceite meus respeitosos cumprimentos ab imo pectore. Atenciosamente, Alceu Ranzi (21). 5 – PEDRO RANZI ― UM MAGISTRADO DE “IMPECÁVEL ÉTICA” Há muitos anos, venho proclamando, aqui e alhures, que não pode haver atividade alguma sem ética. E foi por isso, Governador JORGE VIANA, que fiquei muito feliz e orgulhoso, até, e orgulhoso no bom sentido, de ser acreano adotivo,ou por opção,quando, na manhã da quinta-feira, dia 10 (dez) de março, li, nos jornais, a notícia de que o Governador do Acre fora condecorado pelo Governo do Peru e que o Chanceler ― MANUEL RODRIGUEZ CUADROS ― afirmou que VOSSA EXCELÊNCIA trata os recursos com “impecável ética”. A expressão empregada pelo Chanceler peruano calou–me profundamente, não só por considerar VOSSA EXCELÊNCIA um irmão, um irmão “de fé camarada”, um irmão mais novo, mas também, e principalmente, porque punha em alto relevo a importância que a comunidade internacional dá a comportamentos éticos no trato da coisa pública (res publica). __________________________ 21. RANZI, Alceu. Carta envida ao autor desta SAUDAÇÃO. Todos sabem como são complexas e difíceis as relações internacionais, bastando citar as dificuldades enfrentadas pelo Governo brasileiro, para a concessão do asilo diplomático ao ex-Presidente do Equador (22). E pedindo escusas ao Chanceler ― CUADROS ― que a empregou, e a VOSSA EXCELÊNCIA ― Governador JORGE VIANA ―, a quem foi dirigida, direi que o Juiz PEDRO RANZI, no exercício da função jurisdicional, agiu, sempre, também, com “impecável ética”. VOSSA EXCELÊNCIA, Desembargador PEDRO RANZI, é um exemplo de magistrado ético e isso é reconhecido por todos. Se é verdade, como venho proclamando há muitos anos, que não pode haver atividade profissional alguma sem ética, com muito mais razão, não pode haver exercício da função jurisdicional sem impecável ética, porque mais do que uma atividade profissional, a jurisdição é um sacerdócio. Para o notável processualista italiano ― ENRICO TULLIO LIEBMAN, __________________________ 22. “O Chamado asilo diplomático é uma forma provisória do asilo político, só praticada regularmente na América latina, onde surgiu como instituição costumeira no século XIX, e onde se viu versar nalguns textos convencionais a partir de 1928” (REZEK, J. F. Direito internacional público: curso elementar. 9. ed. rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2.002. p. 207). Mas seus pressupostos “são, em última análise, os mesmos do asilo territorial: a natureza política dos delitos atribuídos ao fugitivo, e a atualidade da persecução ― chamada, nos textos convencionais, de estado de urgência” (Idem, ibidem. p. 209). “Julgar quer dizer valorar um fato do passado como justo ou injusto, como lícito ou ilícito, segundo o critério de julgamento fornecido pelo direito vigente, enunciando, em conseqüência, a regra jurídica concreta destinada a valer como disciplina do caso em exame” (23). Julgar, em última análise, é fazer justiça. E o que é fazer justiça? ― poderia alguém indagar. Os romanos já ensinavam que “Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi” (Justiça é a vontade perpétua e constante de dar a cada um o que é seu). Ao velho e clássico conceito romano, acrescento o advérbio eticamente: __________________________ 23. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Tradução e notas de Cândido R. Dinamarco. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984. v. 1. p. 4. Ou no original em italiano: “Giudicare vuol dire valutare un fatto del passato come giusto od ingiusto, come lecito od illecito, secondo il criterio di giudizio fornito dal diritto vigente, ed enunciare in conseguenza la regola giuridica concreta destinata a valere come disciplina della fattispecie presa in esame” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. 4. ed. Milano, Giuffrè Editore, 1980. v. 1. p. 3). Se CHIOVENDA é, sem dúvida, “fondatore della nuova scuola processuale italiana” (cf. CARNELUTTI, Rivista di Diritto Processuale Civile. v. XIV, Parte I, p. 296), “LIEBMAN é o fundador da ciência processual brasileira” (cf. BUZAID, Alfredo. Introdução à tradução portuguesa da 2. ed. italiana da monumental obra ― Instituições de direito processual civil ―, de GIUSEPPE CHIOVENDA. 2. ed. São Paulo: Edição Saraiva, 1965. v. 1. p. VII). “Justiça é a vontade perpétua e constante de dar a cada um o que é seu”, eticamente. Julgar, portanto, é dar a cada um o que é seu, eticamente. E este conceito aplica-se a VOSSA EXCELÊNCIA, Desembargador PEDRO RANZI, que deu sempre a cada um o que era seu, eticamente. 6 – ÚLTIMAS PALAVRAS Em meu nome e no de Sua Excelência, o Doutor ADHERBAL MAXIMILIANO CAETENO CORREA, nosso Presidente, e no de todos os inscritos nesta Seccional, saúdo VOSSA EXCELÊNCIA, efusivamente, Desembargador PEDRO RANZI. Permitiu DEUS, em sua infinita bondade, não só que eu assistisse à Posse de mais um ex-aluno no TRIBUNAL, a que pertenci por tantos anos, mas também que fizesse uso da palavra num dia tão importante para a CORTE. E saúdo, também, os familiares de VOSSA EXCELÊNCIA, em especial o Senhor SAUL RANZI, seu venerando Pai, e o Professor ― Doutor ALCEU RANZI ―, uma das glórias de nossa Universidade, e cujo nome, há muito, ultrapassou nossas fronteiras e projetou-se pelo Mundo em fora. Há 37 (trinta e sete) anos, no meu Discurso de posse ou confissões de um juiz, dediquei algumas linhas à minha idolatra e veneranda mãe, então ainda viva (24). Ao depois de transcrever um trecho de uma sentença que havia prolatado, quando Juiz Titular da 1ª Vara Cível desta Comarca, hoje ocupada pelo brilhante e eficientíssimo Juiz de Direito ― ADAIR JOSÉ LONGUINI ―, que, num futuro bem próximo, terá, também, e merecidamente, assento neste TRIBUNAL, escrevi: “Imaginai, então, SENHORES, que de dificuldades não enfrentou minha mãe, viúva e pobre, para educar o filho. “Mas deixai”, SENHORES, “nesta … hora em que as emoções mais íntimas se atropelam dentro de mim, deixai que … eu me ausente precipitado destas galas. Sim, deixai que o meu coração voe para longe …, fuja para a minha terra, “e lá, comovido e respeitoso, penetre”, de mansinho, num lar modesto de su- búrbio. Naquela casa, a estas horas, está uma senhora a rezar pelo filho magistrado. “Pelo filho que ela, viúva” e enfermeira, “criou, educou, fez homem …” “Deixai, pois, SENHORES, “que o meu coração voe para a” casinha “modesta” e “sem luxo” de mãezinha, “beije-lhe as mãos e … diga-lhe por entre lágrimas”: DEUS __________________________ 24. SILVA, Jorge Araken Faria da. Oração de posse ou confissões de um juiz. Edição Especial Comemorativa da Inauguração do Palácio da Cultura. Rio de Branco-AC, março de 1971. p. 38. LHE PAGUE, MAMÃE! (25). E como há 37 (trinta e sete) anos, homenageei minha mãezinha, hoje, presto minhas homenagens à Excelentíssima Senhora ― CAROLINA BASSO RANZI ―, mãe de VOSSA EXCELÊNCIA ― Desembargador PEDRO RANZI ―, que, estou certo, está aqui, hoje, em espírito, homenageando o filho ilustre, porque a mãe está, sempre, onde o filho está, recito, comovido, os versos, colhidos a MANUEL GUSMÁN MATURANA: “La madre es única en la vida, como el cielo es único el sol. Hay luz también en las estrellas, tiene la luna su esplendor; pero el fulgor de la luna es frío no entibia nidos ni abre flor. La madre es única en la vida, como en el cielo es único el sol” (26). Muito obrigado! __________________________ 25. Idem, ibidem. 26. MATURANA, Manuel Gusmán. Profesor chileno contemporáneo y autor de obras didácticas estimadas, en algunas de las cuales ha colaborado la poetisa GABRIELA MISTRAL, Premio Nobel de Literatura (Apud BARROS, Aristóteles de Paula. Español: gramática, literatura y antologia. 4. ed. rev. e aum. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1953. p. 106-107).
Saudação de Dr. Jorge Araken ao desembargador Pedro Ranzi
Assessoria | Comunicação TJAC