A história da prática da mediação tem uma longa e variada trajetória em quase todas as culturas do mundo. A Bíblia se refere a Jesus como mediador entre Deus e o homem; o clero mediava as disputas familiares, os casos criminais e as disputas diplomáticas entre a nobreza. As comunidades judaicas utilizavam a mediação, que era praticada tanto por líderes religiosos quanto por políticos para resolver diferenças civis e religiosas e assim por diante. Já a mediação no âmbito familiar, da forma como é vista hoje, surgiu nos Estado Unidos por volta de 1974, visando proteger os filhos das conseqüências negativas de um processo de divórcio. Surgiu das dificuldades enfrentadas pelo Poder Judiciário daquele país em face do excesso de demandas e a sua conseqüente morosidade. Morosidade, portanto, não é privilégio nosso. A mediação é exercida por uma ou mais pessoas não envolvidas, que, usando técnicas apropriadas, auxiliam as partes na solução dos conflitos, identificando os pontos de controvérsia, visando facilitar que elas mesmas tomem as decisões que componham, da forma mais completa possível, seus interesses. O objeto maior da mediação familiar é a família em crise, ocasião em que seus membros estão vulneráveis, quer por mágoas, quer por desejo de vingança. A mediação visa, não invadir ou dirigir o conflito, mas oferecer às partes envolvidas uma estrutura de apoio profissional, a fim de que lhes seja aberta a possibilidade de desenvolverem a consciência de seus direitos e deveres, criando condições para que o conflito seja resolvido com o mínimo de comprometimento da estrutura psico-afetiva de seus integrantes. Por ocasião do II Congresso Brasileiro de Direito de Família, realizado em Belo Horizonte, foi aprovada, por unanimidade, moção de que destaco a seguinte parte “para a prestação jurisdicional por todos almejada, dada a especialidade da matéria versada, impõe-se, mais que nunca, uma visão interdisciplinar dos litígios postos, o que só será viável fornecendo-se aos magistrados uma equipe técnica de apoio, formada por especialistas experimentados, que, em contato com as partes, possam, em trabalho de mediação prévia, ou concomitante, encaminhar a possível solução consensual do conflito, que, sabidamente, será sempre a melhor solução, já que emergente da própria vontade das partes”. Como já foi dito, a mediação foi concebida inicialmente para prevenir os danos acusados por divórcios litigiosos, mas atualmente é aplicada em todas as situações de conflito familiar como nas ações de alimentos, guarda e regulamentação de visita, tendo em vista o reconhecimento da autonomia da vontade dos interessados e da sua capacidade de resolução dos seus próprios conflitos. No entanto, o processo de mediação aplicado aos casos de divórcio e separação judicial possui uma peculiaridade com relação aos outros processos judiciais, os quais também estão igualmente sujeitos à mediação. É justamente o aspecto psicológico das partes, seu desgaste mental, gerado pelo processo, que, pela sua peculiaridade, é capaz de trazer à tona os maiores erros cometidos por ambas as partes durante o período em que estes viveram juntos. Além disso, há ainda a possibilidade de verem suas vidas íntimas expostas da maneira mais desagradável possível. Razão disso, faz-se necessária a presença de um profissional altamente qualificado para mediar tais processos. Um profissional que saiba ouvir os desabafos de ambas as partes; um profissional que seja capaz de explicar às partes as vantagens que o acordo pode trazer; um profissional que, de preferência, entenda, ao menos um pouco, de psicologia para que possa compreender o que as partes somente dizem através de atos, e que igualmente entenda de direito, para que possa, com seu conhecimento, convencer ainda mais rapidamente as inúmeras vantagens do acordo, além de poder orientar corretamente ambas as partes daquilo que a lei exige com relação aos deveres, e daquilo que ela oferece com relação aos direitos. É necessário ainda, que, aquele quem faz a mediação do processo de separação, procure devolver a esperança às partes, mostrar que a vida não termina com o casamento. Deve-se ainda, alertar as partes para que, em caso de terem filhos, o que está terminando é o casamento, não a paternidade ou a maternidade. Madrasta não substitui mãe, nem padrasto substitui pai. É necessário que ambos cuidem dos filhos, dividindo as alegrias e as preocupações. Um não deve usar o filho como meio de atacar o outro, pois assim estarão empurrando estas crianças para as ruas. É aqui onde entra o papel importantíssimo das faculdades de Direito, pois é preciso que os advogados sejam treinados a deixar de lado o aspecto adversarial que se aprende na escola para que possam compreender de uma vez por todas, que o seu papel que é o de resolver o problema de seu cliente e não buscar seus interesses pessoais (como, por exemplo, o de vencer a lide a todo custo para conseguir se promover, dizendo que “ganha todas as lides que disputa”, porque o advogado, é contratado, não para “ganhar” ou “perder”, mas sim para resolver o problema de seu cliente. Além desse aspecto, vale salientar que a mediação também é técnica eficiente para desobstruir os trabalhos nas varas de família, influindo decisivamente para que os processos judiciais tenham uma solução mais fácil, rápida e menos onerosa para o Estado. A mediação familiar não é um substituto à via judicial, mas uma via alternativa e complementar desta, podendo ocorrer até mesmo antes do ingresso em juízo ou no curso do processo até o momento anterior à prolação da sentença. Hoje algumas vantagens da mediação já são oferecidas às partes pelo juiz. Digo isso pela minha experiência na 2ª Vara de Família desta capital, como a de designação de audiências com prioridade quando estas forem apenas homologatórias, como as de ratificação do pedido de separação ou de divórcio. Isso acontece porque tais audiências podem ser realizadas em maior número, pois necessitam de bem menos tempo do que no caso de uma demanda litigiosa. A mediação, portanto, deve ser estimulada pelo Estado, pois a harmonia social, com a solução pacífica das controvérsias é um dos enunciados do preâmbulo da Constituição Federal. Como quase todos os instrumentos processuais do direito de família já prevêem uma fase de conciliação prévia, não será difícil implantar a mediação nessa área. No nosso Estado, a mediação nas varas de família está em fase de estudo e projeto, dadas as naturais dificuldades de estruturação. Quero finalizar lendo trecho do discurso de um ex-Presidente de Portugal, proferido em seminário sobre “Perspectivas do Direito no Início do Século XXI”, realizado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: “seguramente, não há, na sociedade pluralista e aberta em que vivemos, soluções ‘duras’, grandiosas e definitivas para os grandes problemas do nosso tempo”, tendo-se a certeza de que “o futuro não é mais uma via de sentido único, para o qual é possível termos previamente um mapa de estradas”, pois o caminho é da complexidade e da incerteza, mas também da “cultura da cooperação”.
A mediação familiar e a sua aplicação nas varas de familia
Assessoria | Comunicação TJAC