Por Gabriel Thomaz da Silva*
1 – DO CUMPRIMENTO DA PENA
Fala-se muito, na sociedade brasileira, do caráter reeducador da reprimenda criminal. Segundo esse entendimento, o tempo em que o preso permanecesse no estabelecimento prisional seria dedicado à sua reintegração na sociedade.
A ideia supra, enquanto no campo teórico, apresenta-se muito interessante. Os estabelecimentos de cumprimento de pena são locais onde os condenados deveriam se preparar para a mais completa reintegração social. Contudo (infelizmente) não é essa a realidade experimentada nos dias de hoje.
Não se argumenta, aqui, que a ideia de reinserção deva ser abandonada. Pelo contrário, deverá ser sempre buscada pelo Estado. Entretanto, percebe-se que a principal função da reprimenda criminal está sendo esquecida, qual seja, a função punitiva como castigo àquele que infringiu as leis penais.
Vale relembrar que a privação de liberdade surge no Direito Penal como forma de punição àquele que cometeu crime. Sendo assim, o criminoso deveria sentir-se intimidado pela aplicação da pena fazendo com que ele não cometesse novos delitos.
Ocorre que durante o tempo de cumprimento da pena, para evitar a ociosidade, diversos projetos foram colocados em prática destinados a ressocializar o indivíduo recluso, trazendo-o de volta ao convívio social.
Percebe-se que a função principal da pena é de punir quem comete crime e inibir quem pretende cometê-los, ao passo que a função secundária é a ressocialização. Nesse sentido, o eminente Prof. Guilherme Souza Nucci¹ nos ensina:
É a sanção imposta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes.
Na mesma esteira, a lição do Prof. Fernando José da Costa² :
A teoria mista adota tanto a teoria retributiva, quanto a relativa (preventiva). A pena deve retribuir e prevenir a prática de uma conduta criminosa.
No Brasil, adota-se a teoria mista. A pena serve não só para justificar a aplicação da justiça (mal justo ao mal injusto), mas também para intimidar e ressocializar o condenado.
Diante do exposto, uma das soluções ao combate da criminalidade atual seja resgatar o caráter punitivo da sanção penal.
Para tanto, sugere-se que a reforma do Código Penal em trâmite no Congresso Nacional atinja também a Lei de Execução Penal (lei nº 7.210/84) no tocante à progressão de regime.
O sistema de cumprimento de pena no Brasil deva ser revisto. Isso porque ele transmite ao condenado uma sensação de impunidade, devido à concessão da liberdade muito antes do término do cumprimento da reprimenda.
Não se sustenta que o sistema progressivo deva ser revogado de imediato. O instituto deve ser recrudescido para se adequar à realidade atual visando a punição dos infratores das leis penais.
A fração de apenas um sexto para a progressão de regime como regra se revela ineficaz no ímpeto de reprimir as condutas criminosas. Imagine um réu primário e que ostente bons antecedentes seja condenado por roubo triplamente qualificado a seis anos de reclusão em regime semiaberto (regime fixado em respeito ao art. 33, § 2º, alínea “b”, do Código Penal e Súmulas 718 e 719 do STF).
Segundo o texto da Lei de Execução Penal, o condenado poderá ganhar a liberdade após o cumprimento de 1/6 de sua reprimenda. No exemplo supra, o réu condenado a seis anos de reclusão alcançará a liberdade após o cumprimento de apenas um ano de pena.
Tal situação, na mente do sentenciado, se demonstra como verdadeira sensação de impunidade. Isso porque tendo sido condenado a seis anos, após o cumprimento de apenas um em colônia penal, alcança a liberdade com o regime aberto, faltando ainda cinco anos de pena a ser cumprida.
Vale dizer que a casa de albergado prevista no art. 33, § 1º, alínea “c” do Código Penal não existe no sistema penitenciário brasileiro. Ademais, mesmo se existisse, não entende-se razoável que, por exemplo, um condenado por roubo triplamente qualificado tenha condições de frequentar tal estabelecimento após o cumprimento de apenas um ano de pena em colônia penal.
Pouco adianta a aplicação de penas mais severas, se em pouco tempo os condenados alcançarão a liberdade (muitas vezes sem quaisquer condições de retornarem ao convívio social).
É imprescindível que o infrator efetivamente cumpra a reprimenda imposta pelo Estado como forma de punição tendo em vista a transgressão de sua conduta.
Por consequente, a aludida reforma do diploma penal brasileiro deve abranger também a Lei dos Crimes Hediondos (lei nº 8.072/90). Isso porque as frações de 2/5 e 3/5 também se revelam ineficazes no caso de crimes de tamanha gravidade os quais demandam tratamento ainda mais severo por partes dos órgãos de persecução penal.
2 – CRIMES DE TRÂNSITO
Atualmente acompanha-se pelo noticiário tristes acontecimentos concernentes em acidentes fatais atrelados à condução em alta velocidade pelo motorista e à condução de veículo automotor por motorista embriagado.
Não é raro encontrar pelas ruas, avenidas e estradas brasileiras motoristas conduzindo seus veículos automotores de maneira completamente imprudente muito acima dos limites de velocidade da via. Tal comportamento, por mais que o condutor esteja sóbrio, coloca em risco não só sua vida e integridade física, mas também a de todos os usuários do sistema viário.
Em que pese tais situações serem tipificados como infração administrativa passível de multa e pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH), por colocar em risco a vida e a integridade física de muitas pessoas, a conduta deve também ser tipificada como crime no Código de Trânsito Brasileiro (lei nº 9.503/97).
O referido diploma legal tutela situações semelhantes à narrada nos artigos 308 e 311. Contudo, no primeiro dispositivo legal somente haverá crime se o autor estiver comprovadamente participando de competição automobilística não autorizada em via pública. Ocorre que, na grande maioria das vezes, o agente não está competindo com outro condutor. Ele apenas dirige muito acima dos limites de velocidade (o que por si só já coloca em risco todos os usuários do sistema viário).
Além disso, o art. 311 somente incrimina a condução em velocidade incompatível em determinados lugares expressos no texto legal.
Ademais, as reprimendas impostas para tais condutas são extremamente brandas (detenção de 6 meses a 2 anos no primeiro caso e detenção de 6 meses a 1 ano no segundo caso).
Vale lembrar que não se defende aqui a criminalização do mero desrespeito aos limites de velocidade (punição a qual deva ser mantida na seara administrativa), mas sim o desrespeito exacerbado do limite de velocidade da via que coloque em grave risco a vida e incolumidade física de todos os usuários do sistema.
Nas hipóteses de alta periculosidade na condução de veículo, impõe-se criminalizar tais condutas com sanções mais rigorosas, preferencialmente de reclusão, como forma de inibir tais práticas.
Sustenta-se, ainda, que as sanções administrativas (multas) também devam ser agravadas nesses casos considerando o quantum do excesso de velocidade, bem como o valor do veículo conduzido pelo infrator.
Não é coerente um indivíduo que excedeu, por exemplo, 25% do limite ser punido na mesma medida que outro indivíduo que ultrapassou o limite em 50%. A conduta do segundo infrator se demonstra mais perigosa, pois estava conduzindo o veículo mais rápido que o primeiro infrator.
Do mesmo modo, aquele que possui automóvel de maior valor terá seu patrimônio menos afetado pela sanção administrativa do que o infrator de menor potencial aquisitivo. Tal circunstância também deve ser considerada no cálculo do valor da multa como forma de dar efetividade à reprimenda.
Por fim, o art. 306 do CTB também deve ser alterado. Isso porque ele prevê a concentração de 6 decigramas por litro de álcool ou substância psicoativa no sangue do motorista.
Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que em relação ao consumo de drogas (sobretudo o álcool) o corpo de cada pessoa responde de uma maneira diferente. Existem pessoas que com quantidade de álcool superior a 6 decigramas por litro de sangue ainda estão em condições de conduzir, ao passo que outras pessoas já não têm condições de dirigir mesmo com concentração menor de 6 decigramas por litro de sangue.
Nessas condições a constatação de embriaguez do condutor deve ser aferida no caso concreto, por intermédio de exame clínico realizado por perito do Instituto Médico Legal (IML), o qual possa atestar se a pessoa está ou não em condições de dirigir veículo automotor. Para tanto, o perito poderá se utilizar de diversos métodos e exames clínicos e laboratoriais capazes de detectar a efetiva embriaguez do condutor.
Além disso, deve-se viabilizar a constatação de embriaguez não exclusivamente por meio de prova técnica, mas também pela prova testemunhal. Isso porque não são raros os casos em que motoristas, em nítido estado de embriaguez, se recusam a realizar o teste do etilômetro (vulgo bafômetro), bem como a coleta de sangue no IML.
Infelizmente, contra tais condutores, pouco pode ser feito, pois estão exercitando seu direito constitucional de não realizarem provas contra si mesmos. Acaba por se tornar difícil a persecução penal de tais agentes, visto que o texto legal exige a comprovação da concentração de substância psicotrópica superior a 6 decigramas por litro de sangue no corpo do autor.
Sendo assim, afirma-se a oportuna utilização de prova testemunhal para comprovar a embriaguez ao volante, bem como a aferição no caso concreto se a pessoa está ou não em condições de dirigir, sem a necessidade de verificar a específica concentração de droga ou substância psicotrópica no corpo do agente, como forma de incorrência no crime capitulado no art. 306 do CTB.
3 – DO USO DE DROGAS
Finalmente, o tipo penal de uso de substâncias entorpecentes (art. 28 da lei 11.343/06), deve ser alterado em seu preceito secundário.
Com o advento da atual lei de drogas, o crime de uso de entorpecentes deixou de fixar pena privativa de liberdade. Atualmente, o usuário de drogas será submetido a medidas diversas da prisão que, em tese, o afastaria dos entorpecentes.
Contudo, essa realidade imaginada pelo legislador de 2006 não se verifica na realidade cotidiana. Se ele, com muito acerto, recrudesceu a pena do tráfico de entorpecente, abrandou demais o tratamento dispensado aos usuários de droga.
O tráfico de entorpecentes, atualmente, é o crime mais utilizado pelas Organizações Criminosas para angariar fundos utilizados em suas atividades delitivas. Logo, a melhor maneira de combater o crime organizado é cortar sua principal fonte de sustento: o usuário de drogas.
Vale lembrar que um grande número de usuários de drogas são pessoas de nível social alto, dotados de formação acadêmica e rendimentos suficientes para custear o uso. Portanto, não se trata necessariamente de pessoas indigentes que buscaram nas drogas uma consolação para o fracasso na vida (até porque muitas dessas pessoas possuem uma vida muito bem sucedida).
Nesses casos as penas do art. 28 da lei 11.343/06 não são suficientes para coibir o consumo de entorpecentes por essa classe social mais privilegiada. Com a possibilidade da aplicação de uma pena privativa de liberdade, tais pessoas estariam inibidas de praticarem o delito, temendo o cárcere (mesmo que por pouco tempo).
Não se pode esquecer das pessoas que experimentam entorpecentes uma vez para “ver como é” (sem temer à prisão) e acabam se viciando na droga. Além desses indivíduos também injetarem dinheiro no tráfico de drogas, cometerão outros crimes para sustentarem o seu vício (ao passo que uma parte deles não tem condições financeiras para manter a dependência).
Ao interrogar réus processados por crime contra o patrimônio, é muito comum ouvir que eles cometeram o delito para sustentar o vício com entorpecentes. Ora, se eles não tivessem entrado no mundo das drogas, não estariam viciados, e não cometeriam crimes contra o patrimônio para sustentarem seus vícios.
É evidente que o tratamento médico para os dependentes químicos é, além de direito do cidadão, um dever do Estado. Entretanto, com um tratamento punitivo mais severo ao usuário de drogas é muito possível que pessoas desistam de utilizarem os entorpecentes, temendo a restrição de liberdade. Tal fato, além de coibir a injeção de dinheiro no crime organizado, preveniria o cometimento de crimes contra o patrimônio, além de melhorar a saúde da população com menos viciados em drogas.
Por esses motivos, a conduta do uso de entorpecentes é quase tão gravosa quanto a conduta do tráfico de drogas. Sendo assim, a sanção penal aplicada ao usuário deverá ser tão severa quanto a pena aplicada ao traficante.
Por essa razão, deve ser alterado o art. 28 da lei 11.343/06 inserindo em seu preceito secundário a pena privativa de liberdade, com o fim de desestimular que as pessoas façam uso de entorpecentes, evitando que elas se tornem dependentes químicos, bem como deixem de financiar o crime organizado.
Notas
(1) NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – 2ª edição revista, atualizada e ampliada – São Paulo: Ed. RT, 2006 – pág. 359.
(2) COSTA, Fernando José. Direito Penal: parte geral – 2ª edição – São Paulo: Atlas, 2007 – pág. 69).
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*Pós-graduando em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).