Por Vladimir Passos de Freitas*
A TV Justiça foi criada em 11 de agosto de 2002, tendo por objetivo dar ao público conhecimento de seus direitos e deveres e também das atividades do Poder Judiciário.
Estes assuntos, evidentemente, não são transmitidos pelas redes de TV comerciais, pela simples razão de que não atraem altos níveis de audiência. A TV Justiça divulga-os à sociedade pelo sistema a cabo, satélite, antenas parabólicas e internet.
Durantes estes dez anos de existência, a TV Justiça vem prestando excelentes serviços ao país. Aborda os mais variados temas da Justiça em uma linguagem direta e informal, dando a todos os brasileiros a oportunidade de conhecer as profissões jurídicas e o Poder Judiciário.
É difícil enumerar as suas diversas abordagens e, mais ainda, afirmar quais são as melhores. São muitas. Vejamos algumas.
No “Direito sem fronteiras” estuda-se a construção das relações internacionais entre os países, os Tratados Internacionais mais importantes e a flexibilização da soberania, que vem cedendo espaço à jurisdição de tribunais internacionais (v.g., Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia).
No pólo oposto, o “Repórter Justiça” apresenta a cada semana um assunto de interesse próximo e direto para a população brasileira. Nesta semana a matéria foi o parto, qual a melhor maneira de ter um filho, orientações gerais e os direitos da parturiente. Em outras foram debatidos “Educação a distância”, “Os cuidados para quem vai viajar ao exterior” e “Pai presente”.
Para os alunos que desejam aprimorar seus conhecimentos a TV Justiça oferece “Saber Direito Aula”. Quantos jovens, muitos residentes em cidades distantes dos grandes centros, tem se aperfeiçoado culturalmente. Por exemplo, nas aulas de Direito Previdenciário, ramo que atinge grande parte da população.
Para os que desejam conhecer as atividades da magistratura, do Ministério Público e de outras instituições, há programas específicos. Por exemplo, TV TST (Justiça do Trabalho), Via Legal (Justiça Federal, Ajufe), Sergipe Justiça (Justiça Estadual) e a TV Cidadania (advogados, OAB-SP).
Em uma mescla de entretenimento e cultura jurídica, passando conhecimentos de uma forma agradável, há a “Sessão Cinemateca Brasileira”, com sessões às sextas e domingos a noite.
É enorme a contribuição da TV Justiça à sociedade brasileira. No entanto, há um aspecto que não me parece estar contribuindo para o aprimoramento de nossas instituições. Refiro-me à transmissão ao vivo dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal.
O tema é polêmico, reconheço. Muitos falam, poucos escrevem. Receiam serem tachados de conservadores. Afinal, a transparência está na ordem do dia.
Desde logo, deixo expresso e bem claro que sou a favor da transparência. Para dar apenas um exemplo, a exposição das estatísticas dos magistrados em sites dos tribunais sempre me pareceu uma excelente iniciativa. Todos tem o direito de saber quem julga e quem não julga, seja qual for a instância.
No entanto, não vejo em que a exibição de julgamentos pela TV esteja colaborando para uma Justiça melhor. Registro que não conheço nenhum país em que se proceda desta forma. Muito embora nós brasileiros sejamos criativos e inovadores, permito-me supor que se isto fosse bom algum tribunal teria tido a ideia. Cito três como exemplos.
Comecemos pela Suprema Corte dos Estados Unidos, cuja Suprema Corte é respeitada no país e no exterior, tendo suas decisões reflexos na economia e na Justiça de outras nações. Nos EUA os nove “Justices”, sentam-se de frente para o auditório, não permitem fotos, ouvem as alegações, fazem perguntas aos advogados, recolhem-se e decidem. Resguardam-se, não exteriorizam suas desavenças, e gozam de um respeito extremo.
Na Alemanha o Tribunal Constitucional Federal, com sede em Karlsruhe (não na capital), é modelo para Cortes Constitucionais de todo o mundo. Ele tem o poder exclusivo de declarar a inconstitucionalidade das leis e de escolher, dentre os casos que lhe são submetidos, aqueles que possam criar jurisprudência para a proteção dos direitos fundamentais. Não há transmissões ao vivo dos julgamentos.
Na Argentina, a Corte Suprema de Justiça há alguns anos andava com a imagem abalada. Após o ministro Ricardo Lorenzetti ter assumido e exercido a presidência por três anos, sendo reeleito por seus pares por mais três, a Corte resgatou seu prestígio, com reflexos positivos no Judiciário de todo o país. A discrição não permite transmissão de julgamentos, mesmo tendo entre os seus membros pessoas de prestígio internacional como Raul Zaffaroni.
No Brasil o julgamento tem que ser público e nisto já está assegurada a transparência. Todos podem assistir, exceto se houver segredo de Justiça. Mas no momento que ele é entra em circuito de TV e internet, exibido para todo o país, a situação torna-se mais complexa por vários motivos. Vejamos:
1) Há uma tendência natural dos votos tornarem-se longos, mesmo que o caso não tenha complexidade. Um ministro não se limitará a acompanhar o relator, pois se sentirá obrigado a sustentar sua posição. E lá se vão 20 ou 30 minutos de repetições que, somados, podem significar horas que se perdem sem a mínima utilidade prática.
2) A exposição pública pode agravar a divergência. Não bastará discordar, haverá uma tendência de sustentar a discordância com mais ênfase. Daí para o enfrentamento é um passo. Elas podem atingir um limite máximo, com frases ríspidas ou irônicas, e passar ao país uma imagem de descontrole emocional. Os efeitos podem ser péssimos para a imagem do STF e de seus julgadores. A falta de serenidade, atributo essencial de todos os magistrados, pode resultar na perda de confiança da sociedade.
3) Os conflitos, além de desgastar a imagem da nossa Corte Maior, desgasta também o Judiciário de todo o Brasil, contribuindo para que conflitos inúteis se multipliquem em sessões nos tribunais e audiências nas varas. Isto já vem acontecendo.
4) A exposição pública pode, por vezes, às vezes mesmo fora do Plenário, resultar em adiantamento de posição sobre o conflito, o que é vedado ao juiz brasileiro.
5) A transmissão do voto e dos debates para todo o país torna as posições pessoais, tende a radicalizá-las, perdendo o ministro, aos olhos dos que o assistem, a imparcialidade. A função de julgar exige distanciamento.
Em suma, nós brasileiros, criativos e inovadores, temos, também, que ter a virtude de voltar atrás quando alguma iniciativa não corresponde à expectativa que dela se fazia.
No caso da TV Justiça, penso que devemos festejar sua criação e seu 10º aniversário. Mas no aspecto “transmissão de julgamentos ao vivo”, devemos meditar se ele vem sendo útil ou se está desgastando a imagem da nossa Corte Maior, aquela que aprendemos a respeitar por tudo que já fez pela Nação.
Não seria melhor abandonar esta prática?
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