Artigo da Semana: “Uma nova Justiça criada pela conciliação e mediação”

Por José Roberto Neves Amorim*

Um país formado por instituições públicas que conhecem e, melhor ainda, respeitam seu Direito Positivo, particularmente sua Constituição Federal, e atendem fundamentalmente os interesses reais dos juridicionados pode parecer irrealizável. Todavia, esta é, ainda que parcialmente, a realidade que lentamente se forma em torno das políticas públicas em autocomposição no Brasil.

Quando se debatia a conciliação e a mediação na década de 1990, surgia à mente a imagem de um hospital moderno, que após insistentes e árduas tentativas logra obter complexo e custoso equipamento. Leitor de imagens digitalizadas, mencionado aparato gera precisos e relevantes diagnósticos, essenciais para o tratamento preventivo e a cura de graves doenças, e para tanto, mecanismos adequados devem ser criados. Justamente o que vem sendo feito, com a estruturação de cursos de formação de pessoas capazes de operar o conhecimento em prol dos pacientes.

Na seara política, social e organizacional, os padrões desejados para o funcionamento da complexa maquinaria de um Estado democrático, ágil e moderno, exigiu da civilização humana séculos de incontáveis discussões e, em sua grande maioria representada por sangrentas batalhas. Efetivas lides, entre povos defensores de distintas culturas e opiniões sobre questões vitais, como por exemplo, os direitos e as garantias individuais.

Parece-nos que nas primeiras histórias de sucesso na gestão desse sistema tem mostrado-nos algumas lições essenciais na realização dos valores e normas codificados e impressos em um texto legal conhecido como: Constituição Federal, Carta Magna ou Código Supremo. Em especial no que tange à administração dos valores estabelecidos no seu preâmbulo segundo a qual nossa ordem constitucional se funda “na harmonia social comprometida com a solução pacífica das controvérsias”. Dessas lições essenciais, destaca-se: i) a necessidade de administrarem-se as instituições públicas para que o seu conteúdo axiológico possa ser realizado; e ii) a essencialidade de sólidas parcerias entre as instituições realizadoras das políticas públicas.

Por mais íntegra, verdadeira, ou construtiva que seja a norma constitucional instigadora da harmonia social e da solução pacífica de controvérsias, se não houver a adequada administração de tribunais e órgãos públicos para sua realização essa norma passa a ser texto morto ou mero indicativo de hipocrisias legislativas. Isto porque, por melhor que seja a norma, um mau aplicador sempre pode extinguir sua eficácia e com isso seu potencial de transformação social — em especial quando se trata de conciliação, mediação e outras formas autocompositivas de resolução de disputas.

Nesse sentido, compreendeu-se a necessidade de que as instituições públicas administrem adequadamente seus recursos para que os valores constantes na norma constitucional possam ser realizados. Nesse campo, aos poucos o Conselho Nacional de Justiça tem obtido êxitos notáveis no que tange à progressiva construção de uma sociedade mais harmonizada (e harmonizadora). O Dia Nacional da Conciliação transformou-se em Semana Nacional da Conciliação. Uma das Resoluções de implantação mais complexa — a que dispõe sobre a política judiciária nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário — tem sido implantada com índices cada vez melhores de restauratividade das relações e efetividade nas resoluções de disputas. Os resultados iniciais não poderiam ser mais motivadores da continuidade dessa política pública.

A outra lição que contribuiu para esses sucessos refere-se à construção de parcerias sólidas entre órgãos públicos que, em passado remoto, agiam de forma dissonante. Em razão da seriedade de propósito e comprometimento dos dirigentes do Ministério da Justiça, pela sua Secretaria de Reforma do Judiciário, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados e da Escola Nacional da Magistratura com os valores previstos na Constituição de “na harmonia social comprometida com a solução pacífica das controvérsias” estes órgãos passaram a agir coordenadamente possibilitando o desenvolvimento de diversos produtos fundamentais para a consolidação dessas políticas públicas.

Em suma, a política judiciária nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário decorre, em parte significativa, da incorporação dessa valorização do consensualismo. Esse “valor de consensualismo” — de natureza constitucional — aproximou esses parceiros de fundamental importância com o intuito de fazer com que a conciliação e a mediação se tornem a principal forma de resolução de conflitos no Poder Judiciário e que este seja o efetivo agente harmonizador que nossa sociedade clama.

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*José Roberto Neves Amorim é desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, coordenador do Movimento pela Conciliação – CNJ.
Artigo publicado originalmente na Revista Consultor Jurídico, edição de 12 de setembro de 2012.

Assessoria | Comunicação TJAC

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