Artigo da Semana: “Processo justo, proteção ao cidadão”

Por José Jácomo Gimenes e Marcos César Romeira Moraes

O sistema judicial brasileiro está passando por um momento histórico. Tramita na Câmara o Projeto do novo Código de Processo Civil, representando esperança de aprimoramentos e Justiça mais rápida. A oportunidade deve ser aproveitada. Temos de buscar um diploma legislativo técnico, justo e sem influência de interesses particulares.

O projeto do novo Código de Processo Civil, entretanto, carrega um artigo longo, o 87, com 13 parágrafos e nove incisos, que é desnecessariamente corporativo e injusto com os milhões de cidadãos que são obrigados a buscar o Judiciário. Se mantida, a impropriedade refletirá um processo civil defeituoso e um Judiciário institucionalmente injusto.

O artigo 87 começa com uma mudança sutil. Determina que o vencido no processo pague honorários ao advogado do vencedor. A mudança contraria a histórica regra do artigo 20 do Código de Processo Civil em vigor, que determina que o vencido no processo indenize o vencedor, pagando as despesas do processo e honorários advocatícios, verba conhecida como honorários de sucumbência.

A sutil mudança do titular da verba contraria a própria lógica e funcionalidade do processo judicial. Como está no projeto, o vencedor do processo fica sem indenização do que gastou com seu advogado. Por exemplo: se gastou 20% com seu advogado, receberá somente 80% de seu direito, ofendendo o princípio da reparação integral.

Se mantida a mencionada alteração, o advogado do vencedor vai receber honorários de duas fontes: de seu cliente, por força de contrato, e do vencido, por determinação da lei.

A verba do vencedor transforma-se em uma espécie de tributo corporativo, desnecessário e sem fundamento constitucional. O vencedor, se quiser ressarcimento do valor gasto com seu advogado, terá que propor um outro processo judicial, nesse caso, onerando exageradamente o vencido.

O projeto, nesse ponto, privilegia os interesses financeiros do advogado, desprotegendo ruinosamente o jurisdicionado. O respeitável profissional da advocacia tem competência para combinar seus honorários por contrato, como fazem todos os demais profissionais liberais, não sendo necessário legislação impositiva para incrementar os seus ganhos.

Não é a primeira vez que ocorrem avanços sobre a verba indenizatória da parte vencedora. O estatuto da OAB já lançou normas transferindo a verba para o advogado. O imbróglio foi levado ao STF, num processo demorado e resultado intrigante.

A forte tendência da Corte para declaração de inconstitucionalidade da transferência da verba foi suplantada por uma questão processual menor, sem julgamento da controvérsia central. O resultado foi somente a declaração de inconstitucionalidade de regra de transferência em relação aos advogados empregados, com mínima aplicação.

Uma segunda mudança, posta pelo parágrafo 3º do mencionado artigo 87, consistente em um “tabelão” de honorários de sucumbência, com percentuais mínimos atrelados ao valor da causa, para processos contra o Estado. O “tabelão” modifica substancialmente a sábia regra do parágrafo 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil em vigor, que deixa para o juiz a fixação dessa verba, sempre sujeita a recurso das partes. O “tabelão” é uma ofensa ao princípio do livre convencimento do juiz e pode gerar ganhos injustificáveis em demandas milionárias repetitivas contra o Poder Público.

Por último, duas outras inovações comportam considerações. O parágrafo 10 do artigo 87 declara que os honorários de sucumbência tem natureza alimentar, tipo de crédito que tem privilégio constitucional na ordem de pagamento por precatórios. O parágrafo 11 autoriza o pagamento desses honorários em nome da sociedade de advogados, pessoa jurídica, com tratamento fiscal bem mais benevolente.

Em resumo, a verba indenizatória do vencedor do processo, em passe de mágica, é transferida para o advogado e transformada em verba alimentar, com possibilidade de pagamento em nome de pessoa jurídica. Assim, grandes empresas jurídicas poderão receber honorários de sucumbência vultuosos, com vantagens fiscais, bem antes de seus clientes receberem o crédito principal. O acessório passa a ter privilégios não concedidos ao principal. O artigo 87 do projeto do Código Processual Civil deve ser revisto, sob pena de institucionalizar injustiça para quem procura o Judiciário para resolver seus conflitos.

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José Jácomo Gimenes é professor da Universidade Estadual de Maringá e Juiz Federal há 17 anos; Marcos César Romeira Moraes é ex-Promotor de Justiça e Juiz Federal há 15 anos.

Artigo originalmente publicado no jornal Folha de São Paulo, coluna Opinião, edição de 18 de julho de 2012, e posteriormente publicado no portal da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB.

Assessoria | Comunicação TJAC

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