Uma decisão do 1º Juizado Especial Cível de Rio Branco deslinda um tema ainda considerado polêmico na Justiça Brasileira: o da utilização de banheiros por parte de pessoas que assumam outras identidades de gênero que não as tradicionais homem e mulher.
Em síntese, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e, também, tendo em vista a intensidade do dano, o juiz de Direito substituto Marlon Machado fixou a indenização por danos morais em R$ 2.500, que considerou “ser capaz de amenizar o dano moral sofrido” pela parte reclamante.
Ele ressaltou que houve claro abuso de direito por parte da reclamada. “Com base nisto, entendo que não é razoável que uma pessoa transgênero como a autora, com sentimentos e aparência de mulher desde criança, seja obrigada a utilizar banheiro masculino, pois obrigar tal pessoa a isto seria reafirmar o preconceito e a discriminação”, destacou o juiz em sua decisão.
Entenda o caso
A autora Raquel (Francisco Roberto Feliz) ingressou com a ação visando indenização por danos morais sob o fundamento de que, ao participar de evento na Empresa Forró do Bené e tentar utilizar o banheiro feminino, acabou sendo impedida de adentrar no local. Isso lhe teria causado grande constrangimento pela discriminação sexual sofrida, vez que a autora é travesti.
Em defesa, a ré negou qualquer atitude discriminatória, alegando ter ocorrido apenas “uma reprimenda pelo fato do autor, sendo homem, utilizar-se de banheiro feminino”.
A parte interessada informa que foi “arrastada” e “soqueada” pelo segurança, o qual agiu violentamente e, ainda, proferiu palavras de baixo calão, conforme informa a testemunha da autora.
A decisão
Em sua sentença, o juiz Marlon Machado considerou que houve sim discriminação, já que “sendo o autor travesti, tem um conflito entre o sexo biológico e a sua identidade sexual, o que demonstra não ter agido de má fé ao ingressar no banheiro feminino, sendo infundada a sua expulsão, de plano, conforme afirmado pelo próprio informante do reclamado”.
O magistrado destaca que a intervenção “efetivamente se dera em razão de preconceito” e que isso não pode ser tolerado, pois a própria Constituição Federal de 1988 instituiu, em seu artigo 3º, inciso IV, o combate à discriminação, seja de que espécie for, como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
“Crescemos aceitando que há banheiros para o sexo masculino e há banheiros para o sexo feminino. O que nunca nos perguntamos é o que justifica essa diferenciação”, indaga o juiz?
Para ele diferenciar banheiro apenas baseado em sexo não faz sentido. “Não temos um banheiro para loiros e outro para morenos, um para os baixos e outro para os altos, e assim por diante”, enfatiza.
Marlon Machado faz, no entanto, uma importante ponderação a respeito da banalização do tema e, por consequência, do risco de se que se passe a exigir banheiros tantos quantos sejam os objetos de interesse.
“Logo, teríamos que ter banheiros para homens heteros que não se importam com a presença de gays no banheiro, e outro para homens heteros que se importam com a presença deles. O mesmo teria de ser feito para mulheres, para os bissexuais, para os que não têm qualquer interesse sexual, e, finalmente, para os gays e lésbicas (afinal, há homossexuais que se importam com a presença de heteros do mesmo sexo em seu banheiro, e outros que não estão nem aí)”, assinala.
“Nessa lógica, o boteco da esquina no qual mal cabem 20 pessoas teria de ter, no mínimo, 12 banheiros diferentes”, prossegue o magistrado.
“Mas, convenhamos, a vasta maioria das pessoas não vai ao banheiro com finalidade sexual. Elas vão com finalidades biológicas ou por vaidade. Então a divisão acima também não faria qualquer sentido, devendo tal situação ser tratada com bom senso”, salienta.
“Portanto, no caso em questão a saída compulsória e definitiva da autora, teve forte sentido de menosprezo à pessoa humana, além de características de preconceito sexual, cabendo a recomposição dos danos morais sofridos com base na repercussão do fato”, finaliza o juiz.