A juíza de Direito titular da Vara Cível da Comarca de Capixaba, Ivete Tabalipa, julgou improcedente o pedido de imissão na posse de imóvel urbano formulado por A. de O. R., condenando-a, juntamente com a parte demandada, ao pagamento de multa por litigância de má-fé, após a constatação de permuta ilegal de lote do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Remanso, de propriedade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A decisão, que condena tanto a autora quanto o requerido C. S. A. de S. ao pagamento da quantia de $ 1,8 mil, bem como determina a abertura de inquérito policial para a apuração das supostas práticas de estelionato e falsidade ideológica, destaca a “gravidade e a temeridade da conduta das partes”, ao ir à Justiça “pedir chancela para contrato (…) que afronta a lei”.
Entenda o caso
A autora (A. de O. R.) alegou à Justiça que teria realizado a permuta de um imóvel de sua suposta propriedade, com aproximadamente uma hectare de área, localizado na zona rural do município de Capixaba, por outra, de propriedade do demandado, localizado na zona urbana do mesmo município, sendo que este último não efetuou, “como pactuado”, a entrega do bem.
De acordo com a autora, o demandado teria agido de má-fé, uma vez que teria assinado, juntamente com sua companheira, contrato de compromisso de permuta, através do qual se comprometeu a desocupar o imóvel urbano no prazo máximo de 40 dias.
Por esse motivo, A. de O. R. ajuizou a ação nº 0700113-06.2014.8.01.0005 junto à Vara Cível da Comarca de Capixaba, requerendo a imissão na posse do imóvel urbano.
Sentença
Após analisar as provas documentais e testemunhais reunidas durante a instrução processual, a juíza Ivete Tabalipa se disse convencida de que as partes realizaram uma permuta ilegal, uma vez que o imóvel rural, que supostamente seria de propriedade da autora, na verdade, faz parte do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Remanso, cujo real proprietário é o Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra).
“Mencionado contrato está viciado por nulidade absoluta, por conter objeto ilícito (CC, art. 166, inciso II) e, ao celebrarem-no, os contratantes fraudaram lei imperativa (CC, art. 166, inciso VI), tendo em vista que o imóvel dado em permuta pela autora é bem público de propriedade do Incra, sendo injusta a posse da autora sobre referido imóvel”, anotou a magistrada.
Ivete Tabalipa assinalou que a autora também teria adquirido o imóvel rural de maneira ilegal (de um casal originalmente assentado no local), uma vez que é funcionária pública, o que, por força de lei, a impede de ser beneficiária de qualquer distribuição de terra por parte do Incra.
A magistrada também refutou a tese apresentada pelo réu, de que somente tomou ciência de que o imóvel rural pertenceria ao Incra ao visitar o local, posto que tal fato “contraria as regras da experiência”.
“Quem permuta imóvel valendo R$ 350 mil, titulado, por outro sem escritura pública, tem ciência da situação jurídica deste. Não se realiza tal negócio insciente de sua situação jurídica, às cegas”, assinalou a juíza ao julgar a improcedência do pedido de imissão na posse de imóvel formulado pela autora.
A sentenciante também condenou ambas as partes ao pagamento de multa no valor aproximado de R$ 1,8 mil, cada, por litigância de má-fé, ressaltando “a gravidade e a temeridade da conduta processual das partes, que pedem chancela judicial para contrato de permuta que pactuaram com afronta à lei”.
“A apreciação do mérito (…), tal como pleiteado pelas partes, pressupõe que o Judiciário reconheça validade jurídica a referido contrato, como se particulares pudessem livremente negociar terra pública integrante de Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE)”, anotou a magistrada.
A aplicação de multa por litigância de má-fé está prevista no art. 18, § 1º, do Código de Processo Civil (CPC).
Inquérito policial
A ocorrência de ato ilícito consistente na permuta ilegal de lote em PAE também levou a juíza titular da Vara Cível da Comarca de Capixaba a determinar o envio de ofício à autoridade policial do Município de Capixaba, requerendo a abertura de inquérito visando à apuração da conduta dos envolvidos “pela eventual prática dos crimes de estelionato e falsidade ideológica”, bem como ao Incra para a tomada de providências legais em relação ao imóvel rural.
A magistrada ressaltou que, além da autora e do requerente, também o casal J. A. A. e E. F. B., originariamente assentado pelo Incra deverá ser responsabilizado pela venda ilegal do lote em PAE.
Ivete Tabalipa também determinou o envio de cópias da sentença e dos contratos ilícitos firmados pelos envolvidos para facilitar o trabalho de investigação policial e responsabilização das partes em relação à suposta prática dos crimes de estelionato e falsidade ideológica.
A litigância de má-fé
No Direito, a litigância de má-fé acontece quando uma das partes age propositadamente de forma maliciosa ou desleal durante a instrução processual com o objetivo de ludibriar ou enganar o Juízo responsável pelo julgamento da demanda.
A conduta consiste, assim, na distorção de fatos verdadeiros, na negação de fatos que ocorreram ou na afirmação de fatos inexistentes, uma vez que ao agir dessa forma a parte deixa de proceder com os deveres processuais da lealdade e boa-fé previstos no CPC.
Dentre os elementos que caracterizam a litigância de má-fé estão: a pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; a alteração da verdade dos fatos; a utilização do processo para obtenção de objetivo ilegal; a resistência injustificada ao andamento do processo e a interposição de recursos manifestamente protelatórios.