Decisão garante estabelecimento próprio em Rio Branco para os condenados do regime semiaberto e aberto cumprirem suas penas.
Em sentença assinada pela juíza de Direito Zenair Bueno, o Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, nos autos da ação civil pública nº 0800039-40.2012.801.0001, condenou o Estado do Acre a incluir no orçamento do ano subsequente ao final da presente ação verba suficiente para a realização das obras de construção da colônia penal agrícola, industrial ou similar e da casa de albergado na Comarca de Rio Branco, no prazo de 12 meses, sob pena de multa diária no valor de R$ 10 mil.
Ao decidir, a juíza sentenciante considerou a necessidade e obrigação do Estado de construir e implementar tais edificações, dotadas de estrutura de material e pessoal suficiente para o seu funcionamento, no âmbito da Comarca de Rio Branco, para atender “o que prevê a Lei de Execução Penal (artigos 91 a 95 da LEP), garantindo estabelecimento próprio para os condenados do regime semiaberto e aberto cumprirem suas penas”.
Na sentença, a magistrada ressalta que as medidas alternativas, por mais louváveis que sejam os esforços, não são suficientes para suprir de forma satisfatória a ausência dos estabelecimentos prisionais adequados. “Todas as soluções propostas, testadas e executadas apresentam fragilidades, notadamente no quesito fiscalização. Isso tem impacto direito no sentimento de impunidade e gera elevados índices de reincidência”.
“O sujeito que pratica uma infração penal de média gravidade pela primeira vez e vem a ser condenado a cumprir pena no regime semiaberto ou aberto na Comarca de Rio Branco pode ter dois caminhos. No semiaberto terá que conviver, pelo menos durante o período noturno, com apenados que cometeram crimes de gravidade acentuada e estão no regime fechado. Ou, se for para o aberto, poderá ficar em casa, sem qualquer fiscalização eficiente”, asseverou a juíza.
Ela explica que esses dois caminhos geram consequências sociais indesejáveis e, em regra, dão causa à reincidência do apenado, seja pelo estímulo dos apenados mais perigosos ou pelo sentimento de impunidade como combustível essencial para prática de outros crimes. “É preciso dizer também que essas medidas alternativas – geralmente criadas por agentes públicos comprometidos com o bem comum e a pacificação social – são excepcionais, precárias, já que em boa parte dependem de regulamentação legal, e paliativas. Não se apresentam como solução definitiva e segura, mas sim uma saída encontrada justamente pela inércia do poder público em instalar os estabelecimentos prisionais adequados para cada regime”.
Na decisão, a juíza considera que os meios alternativos lançados para suprir a falta de vagas no regime semiaberto e aberto, em regra, preocupa-se basicamente com a função ressocilizadora da pena, deixando muito a desejar no que se refere ao cumprimento da função retributiva. “Esse fato, como já dito, reflete negativamente no sentimento de justiça, atingindo, em última análise, a credibilidade da justiça, e aumentando a sensação de impunidade, fatores que atuam em favor do aumento da taxa criminalidade”.
Sobre a questão, Zenair Bueno anota em sua sentença que o Tribunal de Justiça do Acre vem decidindo que a prisão domiciliar e o monitoramento eletrônico não se destinam a suprir a ausência de vagas no sistema prisional para o cumprimento de pena no regime aberto e semiaberto e só devem ser definidos nas situações expressamente previstas em lei.
“Assim, sem qualquer desprestígio aos esforços desprendidos para resolver alternativa e criativamente a situação, notadamente os trabalhos realizados pelo Poder Executivo do Acre e pelos Juízos que cuidam da execução penal nesta comarca de Rio Branco, impõe-se o reconhecimento da necessidade extrema de instalação das unidades prisionais tratadas nos artigos 91 a 95 da Lei 7.210/1984”.
No que se refere à alegação do Estado do Acre de que a eventual procedência do pedido inicial representaria intromissão indébita do Poder Judiciário no Poder Executivo, afrontaria o poder discricionário do Executivo e ofenderia o princípio da separação dos Poderes, a juíza sentenciante assegura que jurisprudência dos Tribunais Superiores já consolidou o entendimento que de não há ofensa ao princípio da separação dos poderes, já que a concretização de direitos sociais não pode ficar condicionada ao arbítrio do Administrador.
“Ao contrário, entende ser de relevante importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa, especialmente quando tendente à concretização de direitos sociais de grande impacto coletivo, como no caso, já que a situação em análise revela clara violação aos princípios da dignidade da pessoa humana, do mínimo existencial e à garantia constitucional de que o Poder Público deverá respeitar a integridade física e moral do preso (art. 5º, XLIX, da CF/88)”, explicou.
Entenda o caso
O Ministério Público Estadual (MPE) ingressou com a ação civil pública na 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital pleiteando a condenação do Estado do Acre em obrigação de fazer, consistente em incluir no orçamento do ano subsequente previsão orçamentária suficiente para construção e instalação da Casa do Albergado e de Colônias Agrícolas, Industriais ou Similares destinadas ao cumprimento de penas no regime semiaberto, em Rio Branco, provida de toda estrutura pessoal e física para o funcionamento adequado, no prazo de seis meses, a contar do início da execução do referido orçamento.
No pedido, o MPE alegou que, passados mais de trinta anos desde a publicação da Lei de Execução Penal (13/07/1984), o poder público estadual não criou nenhuma colônia penal agrícola, industrial ou similar, nem casa do albergado no município de Rio Branco. “Fato este que estaria obrigando o Juízo da Execução de Penal e Medidas Alternativas a deferir aos sentenciados em regime aberto, o cumprimento de prisão domiciliar, no qual o condenado permanece em sua residência durante a noite e fins de semana”.
O Ministério Público sustentou que este regime diferenciado, atualmente conferido aos apenados do regime aberto inviabiliza a fiscalização, “o que torna a medida ineficaz e gera forte sentimento de impunidade. Justificou que é imprescindível a construção de casa do albergado para atender os presos do regime, conforme determinação legal”.
Por sua vez, o Estado do Acre apresentou contestação, alegando que o pedido do MPE esbarra no poder discricionário da administração quanto à eleição das políticas públicas “e desse modo seu acolhimento afrontaria o princípio constitucional da separação dos Poderes e representaria intromissão indevida do Poder Judiciário no Poder Executivo”.
Em sua defesa, o Estado do Acre apontou que, apesar de haver necessidade de construção de colônia penal agrícola, industrial ou similar e casa de albergado, também há a necessidade de construção de hospitais, escolas e demais serviços públicos.
Por fim, argumentou que o modelo vigente de cumprimento de pena em regime aberto não atende adequadamente o objetivo de reinserção social e que a adoção do sistema de recolhimento noturno domiciliar e monitoramento eletrônico em substituição às referidas unidades surgem como procedimentos mais vantajosos.