Decisão considerou a “subtração do sonho de gerar a vida e conviver com a dádiva divina de ter filhos”.
A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Acre manteve inalterada a sentença do Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca da Capital que condenou o Hospital Santa Juliana – Obras Sociais da Diocese de Rio Branco a indenizar (no valor de R$ 78.800) M. E. A. da R., em face de procedimento cirúrgico, sem prévia autorização, que interrompeu seu futuro reprodutivo (laqueadura tubária), fato ocorrido em fevereiro de 2000. A decisão está publicada no Diário da Justiça Eletrônico nº 5.445 desta terça-feira (21).
Insatisfeito com a decisão de 1º Grau, o Hospital Santa Juliana recorreu ao Tribunal de Justiça, por meio da apelação n.º 0008337-25.2010.8.01.0001, da relatoria da desembargadora Eva Evangelista, requerendo o provimento do recurso, com a consequente reforma da sentença “objetivando a improcedência total do pedido e, subsidiariamente, pela redução do valor arbitrado”.
Conforme o Acórdão nº 5.445, o Colegiado de 2º Grau considerou adequada a condenação do hospital ao pagamento de indenização por danos morais, tendo em vista a conduta de preposto, que ao realizar parto cesariano interrompeu o fruto produtivo da Autora sem a prévia autorização da paciente tampouco notificação da família.
Ainda da decisão, os desembargadores integrantes da 1ª Câmara Cível entenderam que a conduta do profissional ao esterilizar a paciente sem prévia autorização “produz afronta ao: (I) art. 226, § 7º da Constituição Federal; (II) art. 10 da Lei 9.263/96; (III) art. 4º da Portaria nº 48/99 do Ministério da Saúde; (IV) o Código de Ética (Resolução CFM n.º 1.246, de 08.01.198), mas, sobretudo à integridade física-psíquica da paciente tendo em vista a subtração do sonho de gerar a vida e conviver com a dádiva divina de ter filhos”.
Sobre a redução do valor arbitrado pelo Juízo de 1º Grau, o colegiado decidiu que o quantum da reparação objeto da sentença não viola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, “tampouco ocasiona enriquecimento ilícito a Autora tornando adequada a majoração do valor condenatório, todavia, impossibilitada ante o principio da adstrição e ausente recurso da Autora que, em contrarrazões, postulou a manutenção da sentença”.
Participaram do julgamento os desembargadores Laudivon Nogueira (presidente), Eva Evangelista (relatora) e Adair Longuini (membro).
Entenda o caso
De acordo com os autos da apelação n.º 0008337-25.2010.8.01.0001, em 19 de fevereiro do ano de 2.000, M. E. A. da R. foi submetida a uma cirurgia cesariana, nas dependências do Hospital Santa Juliana, onde nasceu seu filho que, em seguida, faleceu.
Ao procurar a Justiça, M. E. A. da R alegou que, pretendendo ter outros filhos, buscou tratamento durante os anos de 2004 a 2009, objetivando engravidar, oportunidade em que descobriu a impossibilidade de uma nova concepção tendo em vista procedimento cirúrgico de laqueadura tubária, sem sua anuência, durante cesariana realizada no ano de 2000, razão do pedido de indenização.
O voto da relatora
Em seu voto, a desembargadora Eva Evangelista realça que ao tempo do procedimento, a Paciente/Autora (M. E. A. da R) contava com apenas 19 anos de idade, exsurgindo afronta à exigência legal da idade mínima de 25 anos (arts.10, §4º e art.15 da Lei 9.263/96).
A desembargadora–relatora enfatizou que, na espécie, “a conduta do médico ao esterilizar a paciente sem prévia anuência, consiste em afronta ao: (I) art. 226, § 7º da Constituição Federal; (II) art. 10 da Lei 9.263/96; (III) art. 4º da Portaria nº 48/99 do Ministério da Saúde; (IV) ao Código de Ética (Resolução CFM n.º 1.246, de 08.01.198), mas, sobretudo, causada à Paciente tendo em vista a afronta causada a sua integridade física-psíquica e, principalmente, o sonho de gerar a vida e conviver com a dádiva divina de ter filhos”.
“Por outro lado, segundo o médico, demonstrado o risco de morte em caso de futura gravidez, necessário o registro de tal constatação, por escrito, por dois médicos, razão porque configurado, ainda, o crime previsto no art. 15, parágrafo único, I, da Lei 9.263/96, segundo o qual: “… Realizar esterilização cirúrgica em desacordo com o estabelecido no art. 10 desta Lei. Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, se a prática não constitui crime mais grave. Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço se a esterilização for praticada: I – durante os períodos de parto ou aborto, salvo o disposto no inciso II do art. 10 desta Lei…”, anotou a relatora.
Por tudo isso, a desembargadora Eva Evangelista entendeu não assistir razão ao apelante (Hospital Santa Juliana), em especial quando sustenta a ausência de danos morais, “pois, na espécie, a configuração resulta do procedimento de esterilização da Autora sem a observância das exigências legais”.