Meio ambiente: Justiça disciplina funcionamento de bar denunciado por causar poluição sonora

Decisão considera que bares, boates e demais estabelecimentos observarão, em suas instalações, normas técnicas de isolamento de modo a não incomodar a vizinhança.

O Juízo da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Rio Branco, em sentença prolatada nos autos do procedimento ordinário nº 0000483-09.2012.8.01.0001, determinou ao Mercantil Dois Irmãos, localizado no bairro Ipase, região central da Capital, que se abstenha de funcionar no horário compreendido entre 22 horas e 6 horas do dia seguinte, condenando-o, ainda, a, no prazo de 90 dias, limitar o número de clientes e fregueses a uma quantidade proporcional à capacidade de ocupação do bar, abstendo-se de alocar mesas e cadeiras nas vias, calçadas, passeios e outros logradouros públicos. A decisão é da juíza de Direito Zenair Bueno e está publicada na edição nº 5.506 do Diário da Justiça Eletrônico.

Ainda da sentença, o mesmo estabelecimento comercial terá de providenciar banheiros e gabinetes sanitários em quantia suficiente e compatível ao número de frequentadores, bem como aparelhar as estruturas de ocupação e entretenimento do bar, providenciando, em suas instalações, o isolamento sonoro dos sons e ruídos acima dos limites de torelabilidade, adotando todas as medidas necessárias para que seus clientes, enquanto consumidores presentes no estabelecimento, não produzam sons e ruídos em níveis superiores a 40 decibéis.

Não menos importante, a juíza sentenciante determina que a empresa (Mercantil Dois Irmãos) deverá veicular, nas dependências do estabelecimento, informativos e letreiros noticiando “os rigores penais do artigo 42 da Lei de Contravenções Penais, inclusive com a possibilidade de acionamento da polícia, identificação e prisão em flagrante do eventual infrator”.

Na mesma sentença, a magistrada, considerando que a ausência das cautelas fiscalizatórias, no que se refere ao combate da poluição ambiental em qualquer de suas formas, concorre para a produção do dano ao meio ambiente, determinou ao Estado do Acre e ao Município de Rio Branco “que realizem, simultaneamente, inspeção conjunta ao demandado Mercantil Dois Irmãos com o objetivo de averiguar se a categoria comercial praticada corresponde àquela que efetivamente consta nas licenças de segurança e alvarás de funcionamento atuais”.

Entenda o caso

Adalcyr Oliveira da Costa procurou a Justiça e relatou que é moradora, há mais de 40 anos, do bairro Ipase, predominantemente residencial, e, por isso mesmo, habitado em sua maioria por pessoas idosas, e que o Mercantil Dois Irmãos está situado no fundo de sua propriedade, e que depois de ter começado a operar um bar no local, o seu funcionamento vem causando inúmeros transtornos à vizinhança, haja vista o uso indevido de espaços públicos, congestionamento das vias próximas ao estabelecimento, além do grande número de frequentadores do local, em sua maioria jovens, causando tumulto, buzinaços, competições de som e algazarras de toda ordem.

À Justiça narrou que no início das atividades comerciais o mercantil aparentou facilitar a vida da vizinhança, uma vez que funcionava, “como ainda o faz durante o dia, somente como mercearia de bairro, onde se pratica o comércio de gêneros alimentícios, produtos de limpeza doméstica, revenda de água mineral e gás de cozinha, mas a extensão das atividades comerciais, para funcionar também como bar, tornou-se nociva ao convívio da vizinhança”.

Ela acrescentou que a combinação desses fatores atraiu uma clientela notabilizada pelo consumo excessivo de álcool e uso de som automotivo acima dos limites toleráveis, e o grande número de frequentadores levou os proprietários do estabelecimento a ampliar ainda mais os limites de ocupação do bar, “colocando mesas nas ruas, calçadas e em qualquer lugar onde possam acomodar mais clientes, utilizando indevidamente do passeio público para incrementar a atividade comercial”.

Além disso, segundo os autos, Adalcyr Oliveira reclamou a ausência de estacionamento para os clientes, os quais estariam estacionando seus veículos em ambos os lados das estreitas ruas limítrofes e adjacentes ao comércio, obstruindo, em dias de maior movimento, o tráfego regular nas respectivas vias, em especial o cruzamento entre elas, provocando, além de buzinaços, grande congestionamento e tumultos na região.

Queixou-se, ainda, da indisponibilidade de banheiros em quantidade compatível com o número de clientes, “incentivando os frequentadores a urinarem em plena rua ou nos muros das residências que ali se estabelecem”.

Nessas circunstâncias, Adalcyr Oliveira ressaltou seu estado frágil de saúde, em idade avançada, que requer um ambiente de paz e sossego, argumentando que inúmeras foram as tentativas de solucionar o impasse, inclusive com a busca de intervenção da Polícia Militar, todas sem sucesso.

Na sua contestação, o Mercantil dois Irmãos exibiu a sua versão sobre os fatos, alegando que não seria responsável por produzir som mecânico ou automotivo no local, os quais são emitidos pelos frequentadores do ambiente. Afirmou que quando constata, pontualmente, a execução de ruídos sonoros elevados, pede às pessoas que diminuam o volume, tendo, inclusive, veiculado nas dependências do bar letreiros e informativos destacando a proibição do uso de som automotivo, sob pena de ferimento à legislação ambiental.

O estabelecimento comercial, por seu representante, acrescentou que o uso de som automotivo em níveis que superem a normalidade é procedimento comum na região do Parque da Maternidade, tendo o próprio Município de Rio Branco instalado placas proibindo o uso no período noturno. Por conta disso, transferiu a responsabilidade pela sonorização inadequada aos entes públicos demandados, os quais seriam responsáveis por esse tipo de fiscalização.

Diante disso, sob o crivo da responsabilidade civil ambiental, invocando a legislação aplicável à espécie, Adalcyr Oliveira requereu a total procedência dos pedidos visando à abstenção das práticas perniciosas ao convívio da vizinhança.

A sentença

Ao analisar o caso, a juíza de Direito Zenair Bueno apontou que a segurança e o bem-estar, como direitos materiais Constitucionais sempre apontados em normas ambientais, deixam de ser observados juridicamente tão somente em decorrência de reflexos criminais ou penais, assumindo posição de prevalência, que é a de garantir a incolumidade físico-psíquica dos cidadãos no que diz respeito às suas principais atividades na ordem jurídica do capitalismo, ou seja, a segurança e o bem-estar passam a orientar o uso da propriedade no que toca aos direitos fundamentais adaptados à dignidade da pessoa humana, sem desconsiderar as necessidades resultantes dos sistemas econômicos fundados no capitalismo.

“O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado entra na categoria de direito difuso, não se esgotando numa pessoa só, mas se espraiando para uma coletividade indeterminada, contextualizando-o à moderna sociedade de massas, na qual o bem ambiental é fruto do somatório de duas principais características, a de uso comum do povo, e a de essencial à qualidade de vida, importando na satisfação dos fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro, cujo vetor axiológico se exaure na dignidade humana”, asseverou a magistrada.

Dessa maneira, segundo a juíza, “malgrado a empresa demandada aparentemente esteja fazendo uso regular do seu direito de propriedade com fins econômicos, forçoso reconhecer que incorre em ato ilícito quando excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos costumes (CC, art. 187)”.

Segundo a magistrada, considera-se que o abuso do direito de propriedade é um ato ilícito, passível de correção, seja por meio de equivalente financeiro ou da própria limitação ou supressão do direito. “A propriedade, assim, somente encontra legitimidade plena a partir da sua situação no contexto social onde está inserida”.

Na sentença, a juíza discorre que da mesma forma que o Estado deve assegurar o direito à moradia de todos, deve igualmente protegê-la. “É daí que se faz necessária a análise entre a proteção à propriedade, o exercício de atividade econômica e o direito à moradia, em todas as suas projeções e reflexos”.

Segundo a magistrada, a compreensão desses direitos, a partir dessa ótica, aloca ao Estado posição ativa, no sentido de assegurar o acesso à moradia em todas as suas formas, sem descurar das especificidades do segmento produtivo. Novos princípios, como a função social da propriedade, e mais amplo, a função social do direito, autorizam o Estado a intervir na propriedade na medida exata e necessária para harmonizar esses dois direitos em rota de colisão.

Em seus argumentos, a juíza sentenciante assevera que no Município de Rio Branco, a Lei municipal nº 1.330/99, alterada pela Lei municipal nº 1.459/2002, proíbe a perturbação do sossego e o bem-estar público, por meio de ruídos, vibrações, sons excessivos ou incômodos de qualquer natureza produzidos por qualquer fonte geradora de poluição sonora que contrarie os níveis máximos, de acordo com a legislação em vigor, “cujos índices utilizáveis são os previstos na norma do CONAMA suso referida, que remete aos padrões da NBR nº 10.152, ajustando-se à competência que lhe foi dada pela Lei nº 6.938/81, Lei que regula a Política Nacional do Meio Ambiente”.

De acordo com a sentença, a Lei municipal em foco prescreve que os bares, boates e demais estabelecimentos, observarão, em suas instalações, normas técnicas de isolamento de modo a não incomodar a vizinhança, “sendo proibida a emissão de ruídos e vibrações em zonas predominantemente ou exclusivamente residencial após as vinte e duas horas até seis horas do dia seguinte (arts. 108 e 109)”.

A legislação aplicável ao caso, segundo a juíza, disciplina um limite de horário para o funcionamento de bares, boates, e estabelecimentos congêneres em áreas predominantemente residenciais. Se o comerciante resolve expandir suas atividades a este segmento produtivo, deve se submeter ao regramento impositivo municipal, sendo certo que “é competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial, nos termos Súmula Vinculante nº 38 do STF”.

“A propósito, o estabelecimento comercial demandado está localizado em área reconhecidamente residencial, constando dos autos testemunhos de vizinhos, e da própria autora , reclamando do incômodo gerado pelo barulho ocasionado nas dependências do comércio, dos inconvenientes resultantes da concentração de pessoas na via pública e das bebedeiras, além de inúmeras solicitações da força policial no intuito de coibir e fiscalizar os excessos (pp. 182/209)”.

O panorama traçado nos autos, conforme a sentença, “retrata o drama vivido por uma senhora idosa no seu ambiente doméstico, em área eminentemente residencial, onde deveria reinar a paz e o sossego, por conta da expansão das atividades comerciais de uma mercearia instalada rente à sua residência”.

“Diante de todo o exposto, visto que a expansão irregular e desordenada da atividade comercial excedeu manifestamente o seu fim econômico e social, e na certeza de que essa prática polui o meio ambiente artificial, causando prejuízos não só à autora, mas a todos os habitantes circunscritos àquela região, resta evidenciada a ilicitude a ponto de impor limites e estabelecer restrições à propriedade, com o objetivo de compatibilizar a livre iniciativa a outros valores Constitucionalmente consagrados, impondo-se a reparação da ordem jurídica objetivando primordialmente a contenção e abstenção dos excessos”.

Sob essas considerações, a juíza de Direito Zenair Bueno julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial para determinar ao Mercantil Dois Irmãos que se abstenha de funcionar no horário compreendido entre 22 horas e 6 horas do dia seguinte, consoante dispõe a Lei municipal nº 1.330/1999 e alterações, condenando-o, ainda, a, no prazo de 90 dias:

  1. a) limitar o número de clientes e fregueses a uma quantidade proporcional à capacidade de ocupação do bar, abstendo-se de alocar mesas e cadeiras nas vias, calçadas, passeios e outros logradouros públicos;
  2. b) providenciar banheiros e gabinetes sanitários em quantia suficiente e compatível ao número de frequentadores;
  3. c) aparelhar as estruturas de ocupação e entretenimento do bar, providenciando, em suas instalações, o isolamento sonoro dos sons e ruídos acima dos limites de torelabilidade, adotando todas as medidas necessárias para que seus clientes, enquanto consumidores presentes no estabelecimento, não produzam sons e ruídos – seja por meio mecânico, não mecânico ou automotivo – em níveis superiores a 40 decibéis, que é o considerado adequado para dormitórios conforme a NBR nº 10.152, de modo a preservar a tranquilidade, o sossego públicos, e não incomodar a vizinhança, na forma preconizada pelos artigos 108 e 109 da Lei municipal nº 1.330/1999;
  4. d) para fins de cumprimento do disposto na alínea precedente, deverá a empresa veicular nas dependências do estabelecimento informativos e letreiros noticiando os rigores penais do artigo 42 da Lei de Contravenções Penais, inclusive com a possibilidade de acionamento da polícia, identificação e prisão em flagrante do eventual infrator.

Segundo a sentença, ficará a cargo das partes informar ao Juízo da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Rio Branco o cumprimento ou descumprimento das determinações contidas no presente ato sentencial, bem como a comunicação sobre eventuais modificações no estado de fato ou de direito da relação jurídica continuada reconhecida, caso em que poderá ser revisado o que foi estatuído nesta sentença, “na forma do artigo 471, inciso I do Código de Processo Civil”.

Com vistas a assegurar o resultado prático da tutela específica determinada nas providências acima, a juíza sentenciante fixou multa diária no valor de R$ 1.000,00 para o caso de descumprimento, reversível em favor da parte autora.

Ainda da decisão, a magistrada determina ao Estado do Acre e ao Município de Rio Branco que realizem, simultaneamente, inspeção conjunta ao demandado Mercantil Dois Irmãos, com o objetivo de averiguar se a categoria comercial praticada corresponde àquela que efetivamente consta nas licenças de segurança e alvarás de funcionamento atuais, para o qual deverão ser investigadas e adaptadas, “no ato da concessão da licença de operação, os preceitos e normas disciplinadas pela Lei municipal nº 1.330/1999 e demais Leis Ambientais aplicáveis à espécie, em respeito e obediência aos princípios da prevenção, precaução, preservação, ubiquidade e sustentabilidade ambientais, inclusive no que tange à implementação das políticas públicas regionais e locais em cumprimento aos dispositivos legais pertinentes”.

A juíza determinou, ainda, ao Município de Rio Branco, que realize inspeções fiscalizatórias trimestrais, no intuito de aferir a existência de poluição sonora em níveis que superem a torelabilidade, a fim de garantir a preservação do meio ambiente artificial, com a imposição de multas no caso de constatar eventual infração no ato, sem prejuízo das demais sanções civis, administrativas e penais atribuíveis aos responsáveis.

“Concedo o prazo de 90 (noventa) dias para que o Estado do Acre e o Município de Rio Branco cumpram as determinações acima referidas, apresentando relatório conclusivo sobre as ações e as diligências tomadas a fim de implementar e cumprir os termos da sentença. Em igual prazo, deverão os entes públicos informar a este juízo quais foram as providências adotadas no que concerne à renovação das licenças e alvarás de funcionamento e operacionabilidade, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00, limitada ao total de R$ 30.000,00, para cada ente, reversível em favor da parte autora”, finalizou a magistrada.

 

Assessoria | Comunicação TJAC

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