Conscientização sobre atitudes fornece oportunidade para participantes, que cometeram atos de violência doméstica, a mudarem o pensamento e não reincidirem.
Durante o ano de 2019, uma vez por semana, a sala de audiências deixava de ser o espaço para a realização de julgamentos, tornando-se um lugar para mudar o pensamento e promover a conscientização, por meio das reuniões do Grupo Reflexivo “Homens em Transformação”, que é desenvolvido pela Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas da Comarca de Rio Branco (Vepma), desde fevereiro de 2018.
O Grupo atua na responsabilização de autores de violência doméstica, que atualmente cumprem penas diversas da prisão em regime fechado. A proposta é conscientizar os participantes com vistas a uma verdadeira mudança de comportamento, afastando, assim, a violência doméstica contra mulheres.
No Poder Judiciário do Acre, o grupo “Homens em Transformação”, acima de tudo, tem rendido bons frutos no processo de ressocialização dessas pessoas.
Reentrada mínima
A coordenadora Estadual das Mulheres em situação de Violência Doméstica e Familiar, desembargadora Eva Evangelista, discorreu sobre a finalidade do grupo para evitar a reincidência de autores de agressões de gênero no sistema de Justiça, bem como assinalou que a ação está em consonância com o Programa Justiça Restaurativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “É esse olhar diferenciado que o Poder Judiciário precisa conferir para erradicar a violência contra mulher, pois é necessário punir e também refletir e conscientizar esses autores, convidando todos a mudarem de atitude”, disse a decana da Corte de Justiça Acreana.
Para a juíza de Direito Andréa Brito, titular da Vepma, a ação é um caminho essencial, previsto pela Lei Maria da Penha, que tem contribuído para garantir índices cada vez menores de reincidência nesse tipo de crime. “De fevereiro para os dias atuais passaram 302 cumpridores. Nós tivemos uma resposta extremamente positiva ao percebermos que a reentrada no sistema de Justiça para os autores de violência doméstica que passavam pelo grupo era de apenas 6%, quando a média de reentrada é de 40 a 70%”, informou a magistrada.
Trabalho em Equipe
“Homens em Transformação” é realizado por uma equipe multidisciplinar do Poder Judiciário Acreano, que conta com assistente social e psicólogo. As reuniões tem foco educativo na ressocialização do autor.
“Através de palestras nós procuramos propor uma ação educativa reflexiva, é um momento no qual os participantes podem pensar sobre suas ações no âmbito familiar e doméstico e, por meio desse, trabalho eles podem encontrar alternativas para mudança de comportamento”, mencionou a assistente social da Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas, Mirlene Taumaturgo.
Nos encontros são tratados temas como uso abusivo de álcool, sexualidade, comunicação não violenta e legislação criminal. As palestras são ministradas por colaboradores voluntários de instituições públicas e parceiros envolvidos com a prevenção da violência doméstica.
Efetividade da Lei Maria da Penha
Colaborando com o grupo desde o início, o procurador do Estado Luciano Trindade realizou palestras com os autores de violência doméstica utilizando o método conhecido como ‘constelação familiar’. O procurador reconhece a necessidade de ações educativas para uma transformação social. “As instituições, tanto os tribunais de diversos estados, como o próprio CNJ, têm incentivado e premiado projetos que usam técnicas como a constelação familiar e a comunicação não-violenta, porque são ferramentas que produzem uma mudança real”, falou Trindade.
A integração do Poder Judiciário, Ministério Público e outras instituições amplia e garante efetividade a Lei Maria da Penha, ao prevenir, proteger e responsabilizar. Para o promotor estadual Ildon Maximiano, o grupo cumpre a legislação e fornece oportunidade aos participantes.
“É claro que recuperação, depende da pessoa querer mudar de comportamento e o Estado pode criar mecanismos para isso ocorrer, como é exemplo o grupo da Vepma”, disse Maximiano, que ministrou palestra em novembro de 2019.
Mudança de comportamento
A ação evita a reincidência, por conscientizar os autores a construírem relações igualitárias entre homens e mulheres. “O grupo tem um efeito positivo na Vara de Proteção à Mulher, a reincidência é mínima e quase todos esses que passaram por essa condenação, eles quase não voltam”, esclareceu a juíza de Direito Shirlei Hage, titular da Vara de Proteção à Mulher da Comarca de Rio Branco.
Um dos participantes contou que o grupo foi uma oportunidade para mudança de vida: “depois que frequentei esses grupos eu consegui levar minha vida para outro rumo. Hoje estou trabalhando. A Justiça ela tem que ser feita, as pessoas tem que arcar com as consequências de seus atos. Eu tive que pagar, paguei. E eu tive apoio? Tive. Então, espero que a Justiça continue fazendo Justiça para quem merece. E temos que seguir a vida, procurando não fazer mais coisas erradas para não sofrer as consequências”.