O Poder Judiciário tem funcionado, em forma interrupta, em sistema home office, para que a justiça seja prestada adequadamente às necessidades dos conflitantes
O juiz de Direito Fernando Nóbrega, titular da 2ª Vara de Família da Comarca de Rio Branco, concedeu entrevista ao Boletim TJAC explicando sobre a regulamentação da convivência paterno-filial virtual, em caráter temporário, em razão do novo coronavírus.
Com a pandemia, o menor que possui guarda compartilhada, em alguns casos, ficou com as visitações aos lares de seus genitores, comprometidas. Essa questão, segundo o magistrado, tem sido recorrente na vara em que ele atua.
Na entrevista, que vai ao ar pela rádio Aldeia FM (96.9 FM), nesta terça-feira, 23, ao meio-dia, o juiz de Direito falou sobre os conflitos dos pais separados para receber os filhos, e garantir que a criança ou adolescente evite a contaminação pela COVID-19, além de destacar a alienação parental. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra. Confira alguns trechos:
1 – Nesse período de pandemia, muitos ex casais precisaram encontrar soluções que protejam os filhos. Para aqueles que não conseguiram resolver consensualmente, o Poder Judiciário foi procurado para dar solução aos conflitos?
Juiz Fernando Nóbrega – O Poder Judiciário tem sido demandado para resolução de conflitos das mais diversas ordens em razão do momento em que estamos vivendo, entre outras demandas, que chegam em razão da impossibilidade da resolução consensual pelos envolvidos. No âmbito familiar não tem sido diferente. Ações procurando resolver impasses, obstáculos que os próprios familiares não conseguiram resolver amigavelmente, vieram para apreciação do Poder Judiciário para buscar uma solução que atenda, de forma satisfatória, os interesses em conflito, buscando pacificação. O Poder Judiciário tem funcionado em forma interrupta, em sistema home office, para que a justiça seja prestada adequadamente às necessidades dos conflitantes.
2 – Especialmente no que tange ao Direito das Famílias, o convívio deve ser mantido nesta época de pandemia referente aos pais separados?
Juiz Fernando Nóbrega – Inicialmente é preciso esclarecer que, em todas as demandas que existem interesse de criança e adolescente em análise, é preciso que se priorize os interesses desses menores que estão em desenvolvimento. Qualquer decisão que venha ser dada pela justiça, deve ser analisada sob a ótica dos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta no atendimento do interesse do menor. Isso está escrito na Constituição Federal, no artigo 227, e também no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Como conciliar esse direito fundamental nesse momento de calamidade sanitária, e um grande desafio, mas como temos as regras e norma-princípio, a solução que deve ser dada é a que priorize, garanta e assegure o máximo de proteção à criança e ao adolescente. Os casos que têm sido julgados, nesse período, pela 2ª Vara da Família, temos observado a necessidade de evitar que a criança e o adolescente possa, durante esse processo de visitação, que aconteça sem agravar o risco de exposição do menor pela infecção da Covid-19. Estamos optando, de forma provisória, visitação por meio da metodologia virtual. Por conta da situação em que estamos vivendo, estamos fazendo a adequação desse modelo com forma a garantir o exercício do direito de visitas sem que representem risco de infecção ao menor pelo vírus. Quem é sabedor sabe que isso tem causado danos a saúde.
Nos casos que foram submetidos à apreciação, em razão de divergências entre os genitores, estamos convertendo a visita nesse formato digital e que acontecem através de videoconferência com emprego de qualquer aplicativo, estabelecendo uma periodicidade mínima diária ou dias alternados que o genitor que não detenha a posse da criança, possa ter o contato. Os estudiosos têm apontado essa via, sendo recomendável, ou também a possibilidade de alternância do menor com o pai ou mãe, sendo trinta dias com um e trinta dias com o outro. Essa também tem sido uma alternativa, mas os casos que chegaram aqui, optamos a convivência ser virtual. Essa tem sido a maneira de conciliar os interesses: garantir que as visitas subsistam apenas com alteração do formato, ou seja, do contato presencial, em que a criança faz o deslocamento periódicos, alternados, às residências, como maneira de evitar a contaminação ao coronavírus. Observamos cada caso os interesses de priorizar o interesse do menor.
3 – Na vara que o senhor atua, por exemplo, houve muitas decisões suspendendo a convivência presencial pela virtual, nesse período de Covid-19?
Juiz Fernando Nóbrega – Sim. Temos apreciado alguns casos envolvendo divergências entre os genitores sobre a maneira em que o regime da convivência paterna/materna e filial deveria ser executado. Temos alguns casos que foi estipulado o modelo de visitas e que estavam sendo impedidos de terem acesso ao menor por conta da pandemia. Temos tido o cuidado, observando sempre a necessidade de priorizar os interesses superiores da criança e adolescentes. Examinados esses casos, como fazemos em todos os outros, temos procurado fazer os ajuste metodológico de modelo para garantir que aja a convivência harmônica desses interesses, de modo que, essas visitas não exponha o menor aos riscos da infecção, pois seria absolutamente ao contrário a todo o princípio que deve ser observado, que é o de garantir aos interesses desses pessoas, ou seja, a plenitude dos interesses dos menores devem ser o pressuposto primordial para definir esse modelo de visita. Então estabelecemos as visitas virtuais para garantir o contato.
4 – Dr. Fernando qual sua orientação aos pais que estão em conflitos para a visitação dos filhos?
Juiz Fernando Nóbrega – A recomendação é que os pais priorizem os interesses do filho menor. Os pais são os principais e imediatos responsáveis, não os únicos, mas são os principais por garantir, com que a criança e adolescente possa ter garantia de uma vida digna, saudável e não só em relação às questões materiais, não só o alimento físico do corpo, mas, sobretudo no cuidado com a sua saúde emocional, psicológica, espiritual, afetiva, que é fundamental para garantir com que essa pessoa que está em processo de desenvolvimento possa chegar a sua fase adulta de forma a desenvolver, a ter uma qualidade de vida, ter dignidade na sua vida.
Recomenda-se o bom senso, assegurar com que a criança possa ter acesso ao outro de forma a preservar os interesses, lembrando que a convivência tanto familiar como comunitária é um direito especial sobretudo do menor. Na medida em que seja possível garantir com que essas visitas ocorram sem que a criança/adolescente esteja exposta exageradamente a um risco de infecção, elas devem ser garantidas para que a criança possa ter fortalecido o seu vínculo com o genitor não-guardião e com todo o grupo familiar desse genitor.
A visita é fundamental para isso. O que precisa ser observado é se o regime de visitas, se a forma como as visitas têm ocorrido, ou foram previstas, ou foram combinadas, definidas em acordo anterior, se ela resguarda efetivamente os interesses da criança e do adolescente.
E o bom senso, a serenidade, o amor pelo filho devem ser os elementos a guiar, os vetores, as diretrizes que devem orientar esses genitores a como garantir, que essa convivência aconteça sem que ela represente um agravamento, como já disse, da exposição, do risco de infecção pelo coronavírus, que é vírus mortal e a gente não pode banalizar, minimizar.
5 – O senhor vê a situação do isolamento como propícia para a ocorrência de alienação parental?
Juiz Fernando Nóbrega – De inicio, é interessante esclarecer que a alienação parental, ela é uma forma de violência psicológica, e está enquadrada em nosso ordenamento jurídico como uma violência psicológica. Ela consiste em prejudicar o exercício do direito de convivência do filho com um dos seus pais e corre num cenário indicador de exercício abusivo do poder familiar, por aquele genitor que detém a guarda ou por outra pessoa, mesmo que não seja genitor, ou por outro responsável legal, que detém a guarda da criança ou adolescente, ou que tenha… exerça autoridade sobre a criança ou adolescente.
Essa violência psicológica é gravíssima, gera danos graves, muitas vezes acontece em meio a separação dos pais. Quando ocorre a separação dos pais, normalmente o menor/criança/adolescente costuma ficar com um dos genitores, às vezes com o medo de desagradar o outro ou mesmo por incentivo daquele aquele genitor guardião, ele acaba repudiando o outro genitor.
E para não causar nenhuma decepção, nenhuma frustração a esse genitor, que é o cuidador imediato, a criança ou adolescente acaba vivendo um verdadeiro dilema, como bem enfatiza Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ela, inclusive, alerta que para contornar esse dilema de conflito entre os pais, o adolescente acaba dizendo que não gosta, que não quer ver, que não quer conviver com outro genitor.
A Maria Berenice alerta, que todos os envolvidos num conflito como esse, os pais, os demais familiares e todos os atores do sistema de Justiça, devem ter uma atenção muito especial para isso, porque a alienação parental é fonte de dor, de dor psíquica, de sentimento de separação, de rejeição.
Então, é verdade que o momento que nós estamos vivenciando, ele pode, a depender da visão que o genitor ou guardião tem, criar condições para a prática desse ato abusivo, mas a gente não pode atribuir ao momento atual a responsabilidade por isso.
Porque essas práticas que ainda ocorrem, tanto que houve… tanto que há legislação estabelecendo isso, nós temos o normativo de 2010, a Lei 12.318/2010, ela trata especificamente da alienação parental e ela exemplifica as hipóteses em que isso acontece.
Bom, é importante assinalar que o contato físico do pai com o seu filho, ela é, portanto decorrência do poder familiar, a convivência deles tem que ser da forma mais estreita possível. Isso permite com que o genitor não guardião, ou mesmo aquele genitor que tem a guarda compartilhada, possa assegurar a possibilidade de dar carinho, de dar afeto, de dar amor, de estar com seu filho a sós, essa é uma garantia fundamental para criança e adolescente.
Agora, é bem verdade que o momento pode exigir a necessidade de uma revisão desse modelo de convivência para que esse direito, ele não seja fonte de problema, ele não venha a potencializar o perigo de contágio, o risco de contágio do coronavírus, mas o que se espera é que os genitores ajam com bom senso, priorizem, como já falei, os interesses do filho e não aos seus próprios interesses e que a visita, a convivência paterno-filial ou materno-filial com ambos os pais e os seus respectivos grupos, ela como já falei ela é importante para o fortalecimento dos vínculos afetivos e também para a formação física e psicológica do menor.
Considerações finais – Dr, mais uma vez obrigada pela participação.
Juiz Fernando Nóbrega – Eu quero aproveitar para agradecer mais uma vez pelo privilégio de poder estabelecer essa interlocução com a sociedade, através da assessoria de comunicação do Poder Judiciário do Estado do Acre, que tem exercido, cumprido um papel fundamental na difusão de pensamento e orientações sobre como lidar com esses desafios, com todos os desafios da nossa vida, especialmente, os que surgiram nesse momento atual.
Eu creio que esta tem sido uma realidade que tem imposto a revisão de diversos comportamentos, exigindo inclusive a observância, a alteridade, ou seja, a necessidade de se preocupar com o outro, impondo uma mudança de perspectiva.
Então, nos alertando sobre a necessidade de ver o outro com um olhar diferenciado. Então, eu preciso verificar se o meu comportamento ele é capaz de produzir alguma consequência positiva, trazer algum bem para o meu próximo, porque essa é a condição necessária absolutamente indispensável para que a gente possa ser feliz, é garantir com que o outro seja feliz.
A sociedade como um todo está sendo motivada, através de uma realidade que se impôs de forma grave a rever essa visão egoística, a superar o egoísmo em busca de soluções que possam garantir a sobrevivência da humanidade, a preocupação com o bem-estar do outro. Eu agradeço imensamente pela oportunidade.