Decisão considerou interpretação mais favorável do contrato ao consumidor, prevista pelo CDC, para determinar cumprimento de obrigação
A 5ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco condenou cooperativa médica ao fornecimento de alimentação enteral (por via de sonda) e fornecimento de insumos hospitalares, a um paciente conveniado, vítima de erro médico incapacitante.
A decisão da juíza de Direito Olívia Ribeiro, titular da unidade judiciária, publicada na edição nº 6.670 do Diário da Justiça eletrônico (DJe, fl. 44), considerou que a demandada tem a obrigação contratual de fornecer a alimentação específica (dieta enteral e suplementos) dos quais o paciente necessita, mesmo que não esteja hospitalizado (condição estabelecida no contrato), em razão da prevalência dos princípios que norteiam o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
“O CDC dispõe que as cláusulas contratuais serão interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor. Em sendo assim, sendo a dieta enteral indispensável a vida do autor, ainda que o paciente não esteja internado em hospital, a dieta foi prescrita por profissional habilitado, o qual tem a capacidade de prescrever o tratamento adequado ao paciente, cabendo somente ao médico dizer o que é melhor para o seu paciente e não ao plano de saúde. À parte ré cumpre somente a obrigação de fornecer o tratamento necessário prescrito pelo médico.”
Entenda o caso
O paciente, segundo os autos, foi vítima de erro médico aos 19 anos, durante uma cirurgia para correção de arritmia cardíaca em um hospital em São Paulo, que resultou em encefalopatia (danos cerebrais) e hipóxia (insuficiência de oxigênio no cérebro), encontrando-se, desde então, “incapacitado”, sendo alimentado parentalmente.
A petição que deu início ao processo, descreve o demandante como um aluno “muito inteligente”, que antes do erro médico que resultou em quadro incapacitante, fora aprovado no Curso de Medicina da Universidade Federal do Acre, o qual cursava regularmente até o fatídico ocorrido.
Condição financeira da família não interfere na obrigação
A juíza de Direito titular da unidade judiciária, Olívia Ribeiro, entendeu que o autor comprovou fartamente as alegações, por meio de laudo médico, entre outros vários documentos, impondo-se, no caso, a obrigação contratual, independentemente da capacidade financeira da família do autor adquiri-los.
“O fato da família do autor possuir condições financeiras de prover a referida dieta e os insumos hospitalares, em nada interfere na obrigação de plano de saúde em fornecê-los. Existe um contrato entre as partes que garante o tratamento da enfermidade desenvolvida, assim como existe a prescrição médica do tratamento, o que, por si só, dá à parte beneficiária do plano o direito de exigir o cumprimento do contrato”, ressaltou a magistrada, ao analisar o caso.
1º e 2º grau: entendimentos harmônicos
Nesse mesmo sentido, a sentença destaca decisão de 2º grau, em recurso contra ato judicial proferido nos autos do processo, na qual a desembargadora decana do TJAC, Eva Evangelista, considerou que “a prestação (…) é indispensável à saúde e vida do paciente, atuando a dieta enteral como tratamento prescrito por médico, em vista da enfermidade (…), não se tratando de mera ‘alimentação’, a excluir a obrigação.”
O Colegiado de desembargadores da 1ª Câmara Cível do TJAC, à época, acompanhou o voto da desembargadora decana (relatora), rejeitando, à unanimidade, o recurso no qual a cooperativa médica buscava suspender a obrigação.
Acordo feito e homologado em audiência
Antes mesmo que a juíza de Direito lançasse a sentença, durante a própria audiência, as partes chegaram a um acordo quanto ao ressarcimento dos valores gastos com a médica (não conveniada) que acompanha o paciente, bem como arcará com os custos de novas consultas com a profissional, sempre que necessário, tudo a bem da manutenção da saúde do paciente.
Danos morais rejeitados: ilegitimidade passiva da cooperativa
Ao analisar o pedido de indenização por danos morais, pela demora na obtenção da alimentação parenteral, a magistrada, no entanto, não teve opção senão rejeitá-los, uma vez que o conteúdo nos autos do processo, demonstra que a representante legal do demandante já havia percorrido toda “uma via crucis”, para obter a alimentação junto junto ao SUS, tendo inclusive iniciado ações judiciais, nesse sentido, antes de acionar o plano médico.
Na sentença, no entanto, a juíza de Direito Olívia Ribeiro assinala que a demandada não é culpada pela demora, mas que a representante legal do paciente pode buscar, no âmbito do Estado de São Paulo, indenização pelo erro médico, bem como, no âmbito do Estado do Acre, indenização pela negativa no fornecimento da dieta parenteral e insumos médicos, via SUS.
Foi considerada, dessa forma, pela magistradas, a chamada “ilegitimidade passiva” da cooperativa, quanto aos danos morais sofridos pelo demandante.
Ainda cabe recurso da sentença.