Durante o talk show “Os avanços e desafios da Rede de Proteção à Mulher em 15 anos da Lei Maria da Penha”, magistrada apresenta palestra sobre violência de gênero
Durante dois dias, o Tribunal de Justiça do Acre (TJAC) realizou por meio da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, e apoio da Escola do Poder Judiciário (Esjud), um intenso diálogo sobre os avanços e desafios da Rede de Proteção à Mulher em 15 anos da Lei Maria da Penha.
No segundo dia de atividade, na terça-feira, 15, foi apresentada a palestra que trouxe para o evento virtual o debate sobre a mulher no sistema de segurança e justiça criminal, no que tange a violência de gênero.
O objetivo da apresentação feita por Andréa Brito, juíza auxiliar da Presidência e titular da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas (Vepma), foi de levar um panorama histórico-político-jurídico da construção do que ela chama de um campo de saber, ou seja, os estudos sobre mulheres e os estudos de gênero, seus alcances e diálogos com os movimentos feministas e de mulheres, trazendo a importância de algumas conquistas e marcos legais, dentre eles, o documento Lei Maria da Penha e o valor da Rede de Proteção e sua Interdisciplinaridade, e a importância de lutar por novas conquistas e espaços.
A magistrada compartilhou vivências a partir das audiências de custodia, da problematização e ampliação do debate sobre a importância das varias dimensões da violência de gênero. Segundo ela, entender a dinâmica processual das lutas e disputas no enfrentamento as desigualdades de gênero é essencial para uma atuação com maior rigor na luta ética por um mundo sem violência e violações de gênero.
“Não tem como pensar gênero sem mobilizar várias áreas do conhecimento e o evento se propõe a esse objetivo. No que se refere ao âmbito penal, a mulher é percebida, precipuamente na condição de vítima, a exemplo do feminicídio e da violência doméstica. Entendermos qual a situação da mulher encarcerada, da mulher em privação de liberdade, em virtude de estar no polo ativo da conduta criminalizada, e a partir disso, objetiva-se perceber se a desigualdade de gênero permeia e, caso afirmativo, como é estabelecida no ambiente prisional”, ressaltou.
Um dos dados apresentados pela magistrada e que choca pela diferença, é o número de visitas para os homens presos e as visitas para as mulheres presas. Os homens recebem 10 vezes mais visitas do que as mulheres, demonstrando a condição de abandono que elas sofrem ao adentrarem ao cárcere.
O Instituto de Administração Penitenciária do Acre (Iapen) mostra em dados de setembro deste ano, que 80% dos homens que estão no Complexo Penitenciário de Rio Branco, recebem visitas de suas companheiras, já no presídio feminino da capital, apenas 8% das mulheres receberam visitas de seus companheiros, isso representa 20 das 255 mulheres privadas de liberdade.
Segundo Andréa Brito, o sistema prisional endossa e acentua a vulnerabilidade de gênero, na medida em que, pensado para o público masculino e adaptado para as mulheres, é incapaz de observar as especificidades indispensáveis aos espaços e serviços destinados às mulheres, a fim de satisfazer necessidades intrínsecas ao sexo feminino, como aleitamento materno, equipe de saúde voltada à saúde da mulher, espaço destinado às crianças.
Desafios
De acordo com o Levantamento de Informações Penitenciárias (Infopen), apenas 41% dos presídios femininos e 34% dos mistos disponibilizam locais para visitas íntimas, assim como não mais que 16% dos estabelecimentos prisionais nacionais possuem dormitórios para gestantes, bem como tão somente 14% destes contam com berçários ou centros de referência materno-infantil.
A magistrada diz que os marcadores sociais são claros nas análises de custódia, essas mulheres são em sua maioria, pobres, negras, mães, com baixa escolaridade, e a predominância é por crime de tráfico de drogas e associação ao tráfico, caracterizando crimes não violentos.
“Dadas as proposições, é necessário que a sociedade repense o sistema prisional sobre outras bases, posto que a cultura punitivista, já consolidada, apenas acentua os índices de violência e cristaliza um processo de marginalização histórico da mulher-negra-mãe-solteira-pobre. Entretanto, há que se falar que essa nova perspectiva não precede uma mudança de mentalidade, mister a autoconscientização e o autorreconhecimento dos cidadãos como agentes transformadores da realidade posta”, finalizou Andrea Brito.
Atualmente a população carcerária feminina no Acre (regime fechado) é de 307 pessoas, quando a capacidade é para 216. Só em Rio Branco, a capacidade é para 96 mulheres, e atualmente a ocupação é de 255, ou seja, 266% acima da capacidade.