Iniciativa é expandida para outros municípios e TJAC se tornou um dos primeiros tribunais do país a implantar a prática também a autores de violência doméstica que cumprem pena no regime semiaberto
O grupo reflexivo “Homens em Transformação” representa um olhar diferenciado que o Poder Judiciário confere a uma das formas de atuação no enfrentamento e combate à violência doméstica e familiar contra mulher, visando à diminuição do índice de reincidência. A ação realizada pelo Poder Judiciário do Acre está alinhada com o programa Justiça Restaurativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Implantada em Rio Branco, em fevereiro de 2018, a iniciativa é desenvolvida pela Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas da Comarca de Rio Branco (Vepma), e atua na responsabilização de autores de violência doméstica, que atualmente cumprem penas diversas na prisão em regime fechado. A proposta é conscientizar os participantes com vistas a uma verdadeira mudança de comportamento, afastando, assim, a violência doméstica contra mulheres.
“A execução penal com foco reflexivo e educativo, além do tradicional efeito punitivo, persegue a compreensão de que a aplicação da pena deve, sobretudo, estabelecer um novo paradigma de intervenção junto ao individuo condenado, onde o objetivo central consiste em promover um espaço reflexivo/responsabilizante, no qual o homem autor de violência domestica possa ter a experiência de refletir criticamente sobre suas práticas violentas no âmbito de suas relações”, ressalta a juíza de Direito, titular da Vepma, Andrea Brito.
Em seu primeiro ano de atuação foi possível colher resultados do trabalho, no qual a reentrada de homens que já haviam sido condenados com base na Lei Maria da Penha caiu da média de 40 a 70% para 4%. Em 2020, o índice de reincidência passou a ser 7%. Contudo, em 2021, sem reuniões devido a pandemia, o índice dobrou, alcançando 14,95%.
“A ação que visa evitar a reincidência vem se consolidando, com o apoio do Programa Fazendo Justiça do Conselho Nacional de Justiça e Pnud, como estratégia permanente ao ser incorporada no planejamento estratégico do sexênio de 2021-2026 e no Meta 09 do Tribunal de Justiça do Acre”, afirma a magistrada Andrea Brito.
Mesmo sem as reuniões, o trabalho não parou, pois com apoio da presidência do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC) e da Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv), foi possível fazer um trabalho de articulação e mobilização para a devida ampliação do Grupo. Com isso, em novembro de 2021, a Câmara Municipal de Tarauacá aprovou a proposta de Projeto de Lei indicado pelo TJAC, para instituição do Programa de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e Intrafamiliar no município. Em dezembro, foi a Câmara Municipal de Cruzeiro do Sul que também aprovou a proposta de Projeto de Lei que institui o programa.
“A Meta 09 do CNJ, que estipula integrar a Agenda 2030 ao Poder Judiciário, e no Acre está sob a condução da Desembargadora Eva Evangelista, elegeu como uma das ações, fomentar a criação de leis municipais e grupos reflexivos junto ao poder executivo de cada municipalidade, tendo alcançado em 2021 a aprovação dessas duas leis municipais nas comarcas de Cruzeiro do Sul e Tarauacá, foi um grande avanço”, comenta Andrea Brito.
E foi ainda em 2021 que marco importante se concretizou, quando o TJAC se tornou um dos primeiros tribunais do país a implantar o Grupo Reflexivo para atender também os autores de violência doméstica que cumprem pena no regime semiaberto. A possibilidade se consolidou a partir da parceria com o Instituto de Administração Penitenciária do Acre (Iapen), e assim as reuniões começaram a ser realizadas na Unidade de Monitoramento Eletrônico de Pessoas.
O ato normativo de n. 124, editado pelo Conselho Nacional de Justiça, de 7 de janeiro de 2022, recomenda aos tribunais de todo o país, que instituam e mantenham programas voltados à reflexão e responsabilização de agressores de violência domestica e familiar.
Metodologia
A proposta do Grupo Reflexivo associa temas e conceitos com a experiência cotidiana do universo da pessoa, favorecendo diálogos por meio de perguntas e dinâmicas, possibilitando a interação dos participantes com os facilitadores, de maneira horizontal, produzindo juntos com eles reflexões e compreensão sobre os temas abordados. As perguntas são um instrumento de diálogo e geradoras de novas questões e reflexões. Assim, cada reunião cumpre um objetivo específico de acordo com o encadeamento dos temas propostos. Os temas trabalhados no grupo são previamente planejados pela equipe visando, principalmente, o rompimento e a prevenção da violência doméstica.
O trabalho com autores de violência doméstica coloca-se como uma proposta inovadora e desafiadora realizada no judiciário. A iniciativa contribui para que o espaço da Justiça tenha ações de caráter preventivo e restaurador, atuando para além da punição. Entretanto, traz importantes desafios, como o de promover espaços de reflexão no âmbito da Justiça com réus em processos criminais.