A discussão sobre a migração enquanto fato social e a compreensão dos reflexos desse fenômeno despertou a construção de diálogos para garantia de direitos
Com o tema “Refugiados, migrantes e apátridas: avanços e desafios no cumprimento do princípio da não-descriminalização e igualdade dos povos”, o Ministério Público do Acre (MPAC) promoveu reunião técnica com a rede de proteção acreana. O Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), representado pela juíza-auxiliar da Presidência, Andrea Brito, compôs a mesa “Proteção jurídica aos migrantes, refugiados e apátridas”.
No evento, realizado na última quinta-feira, 26, a procuradora Kátia Rejane apresentou a campanha lançada MPAC, “Migração: e se fosse você?” e o trabalho do Grupo de Atuação Especial em Contextos Migratórios (Gaemig). Em sua fala, ela deu notabilidade a empatia e solidariedade, mas sem deixar de evocar a necessidade da intervenção do Poder Público para a garantia de direitos.
A Constituição Federal não permite qualquer tipo de discriminação contra os imigrantes. O Brasil é signatário de vários acordos e protocolos relacionados aos direitos humanos. Nesse sentido, o procurador da República Lucas Dias relembrou a situação de imigrantes acampados na Ponte da Integração em Assis Brasil no ano de 2021 e criticou as omissões do governo federal em políticas públicas.
Sobre a arquitetura local de proteção, frisou: “estamos discutindo direitos básicos, que é ter onde dormir e o que comer. Mas eu sugiro que o encaminhamento seja a revisão do que está sendo cumprido no Termo de Ajuste Extrajudicial (TAE)”.
Já o procurador Igor Gonçalves do Ministério do Trabalho direcionou o debate a outra perspectiva, considerando que os refugiados e imigrantes são pessoas propensas à exploração: “É preciso ampliar o espectro de visão sobre a vulnerabilidade, por isso não importa se há consentimento da vítima. É preciso combater formas nefastas de trabalho, condições análogas à escravidão, exploração do trabalho infantil e exploração sexual”. Encerrou enfatizando medidas de promoção da regularização documental.
Ao pontuar os procedimentos e o papel do Poder Judiciário, a juíza Andrea Brito destacou as Resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) n° 405 e 213, “o Poder Judiciário do Acre está promovendo a construção do tema dentro do Comitê de Politicas Penais”. Em seguida, falou sobre o dever de informação contextualizando a política penal e a audiências de custódia. Reforçou a necessidade de identificação dos processos com migrantes no sistema de cadastro, oferta de refúgio, o encaminhamento de sentenças penais ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, e, por fim, problematizou questões como o endereço nos autos das pessoas que não tem moradia, o atendimento a vítimas de tráfico de pessoas e outras violações.
A magistrada destacou os dados estatísticos consolidados por meio do Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU): há 48 processos na execução penal de pessoas migrantes, sendo oito no sistema prisional e os demais com cumprimento em regime semiaberto, aberto e alternativas penais.
“O Conselho Nacional de Justiça atualizou o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), plataforma que integra processos de execução penal em todo o país, com mudanças que permitem maior atenção às populações em situação de vulnerabilidade.
Isto inclui gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, população LGBTQIA+, pessoas migrantes e população indígena. As alterações trouxeram adequações no cadastro de parte de pessoa física e na pesquisa de processo de execução penal, além gerar alertas na capa dos processos para que fiquem em destaque”, explicou Brito.
A defensora pública Juliana Caobianco sensibilizou os atores do sistema de Justiça: “por que vemos essas pessoas nas ruas, mas não vemos em nossas instituições?”. A provocação relacionou a dificuldade em dar voz a pessoas que nem sempre falam ou entendem a língua portuguesa, logo não possuem capacidade postulatória para então acessar novas possibilidades de esperança.
A programação encerrou com a mesa “O papel da sociedade civil no atendimento das demandas de migrantes, refugiados e apátridas”, composta pela coordenadora da Pastoral do Migrante, Aurinete Brasil e pelas representantes da agência da Organização das Nações Unidas (ONU).
A assistente sênior da ONU, Heloísa Miura, enfatizou como as trajetórias desse público é construída, ou seja, a partir de guerras, questões econômicas e crises. “Na falta de um contexto de paz, temos essas pessoas que são forçadas a se deslocar”.
E se fosse você?
Na Bíblia Sagrada há vários exemplos de situações de migração. Quando o rei Herodes teve notícia que o rei dos judeus havia nascido, ele resolveu, em sua racionalidade, matar todas as crianças para eliminar a ameaça ao seu trono. Maria e José fugiram. Eles foram migrantes.
A fuga para Belém era uma tentativa de sobrevivência para o menino Jesus. Essa situação foi ilustrada pela assessora da Cáritas Brasileira, Aurinete: “pensa como deve ter sido para uma mulher grávida, enfrentar uma situação de desespero prestes a parir. Era uma ameaça de morte, então passou horas no lombo de um jumentinho. Essa não é uma situação nem agradável, nem confortável. Eles eram refugiados”.
A promotora de Justiça Vanessa Muniz completou: “muitas vezes é mais fácil se comover com a guerra na Ucrânia, do que com as várias pessoas que estão nos semáforos pedindo ajuda”, concluiu enumerando outros exemplos xenofobia, discriminação e como parte da sociedade vê os estrangeiros como incômodo.