Foram ofertados diferentes serviços desde orientações jurídicas, emissão de documentos, atendimentos sociais, vacinas, testes rápidos, serviços odontológicos, segurança pública, cortes de cabelo e recreação para crianças
“Nós somos invisíveis para a sociedade, nós somos lixo, né?”, assim se descreve Kelson Lustosa, de 41 anos e que há 20 anos mora na rua. Em suas palavras, ele resumiu múltiplas vulnerabilidades em repugnância e apatia, por isso essa realidade é o desafio abraçado pela edição especial do Projeto Cidadão “Acolher para Transformar”.
Nesta quinta-feira, dia 2, o centro de Rio Branco ganhou uma movimentação diferente, a força das parcerias institucionais dos Poderes Públicos mostraram o que pode e deve ser feito em prol da cidadania, desburocratizando a prestação de serviços e tornando realidade no Acre a Resolução do Conselho Nacional de Justiça n° 425/2021, a Política Nacional de Atenção à Pessoas em Situação de Rua.
Durante a solenidade de abertura, a desembargadora Eva Evangelista enfatizou o diferencial dessa atividade: “essa edição é especial, porque é a primeira que tem um olhar voltado para realizar uma ação efetiva para a população em situação de rua. ‘Acolher para Transformar’ uniu o sistema de Justiça com as políticas públicas do nosso Estado tornando esse mutirão de atendimentos possível e acessível”, enfatizou a decana.
A governadora em exercício, desembargadora Waldirene Cordeiro, salientou que a ação promove dignidade, pois o Projeto Cidadão se aproxima das pessoas que estão em vulnerabilidade. Assim, ressaltou que de acordo com os dados estatísticos do Centro Pop há uma média de 300 pessoas atendidas pela entidade, portanto a meta é que pelo menos metade desse contingente receba algum atendimento durante os dois dias de evento.
O presidente em exercício do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), desembargador Roberto Barros, discursou sobre o valor dessa mobilização. “Cada edição do Projeto Cidadão é a realização da efetividade dos direitos humanos. O desafio que a gente tem tido ao longo dessas décadas é sempre procurar identificar quem ainda não foi atendido, quem precisa do Projeto Cidadão, por isso o projeto se notabilizou, por ir às comunidades. Mas, o dia de hoje traz algo muito especial, porque deixamos de olhar para os locais longínquos para focar nas pessoas que estão nas ruas, ao nosso lado, mas ao mesmo tempo tão longe dos direitos que lhe são assegurados pelas leis”.
Agradecendo a colaboração dos parceiros, o presidente em exercício falou sobre os direitos sociais: “o dia de hoje nos faz brilhar os olhos e renovar nossas forças para continuar fazendo Justiça. Quantas pessoas não precisam dessas instituições? Imagina quanto tempo levaria para um cidadão desse percorrer cada uma dessas instituições para ser atendido, mas o Projeto Cidadão permite que, de uma vez, todas as instituições venham ao cidadão”, disse.
A representante da Defensoria Pública da União, Ana Luísa, também falou da importância da iniciativa. “Essa ação se apresenta como instrumento de garantia de direitos, de promoção da cidadania e contribui para a superação de preconceitos e estigmas que envolvem as pessoas que não possuem uma habitação convencional. Neste dia, a Defensoria concretiza sua vocação constitucional de garantir o acesso à Justiça e une esforços com todos os colaboradores para que juntos possamos: ‘acolher para transformar’”.
A sub-defensora pública do Estado, Roberta Caminha, lembrou de uma edição do Projeto Cidadão que ocorreu em Xapuri, assim trouxe a memória da repercussão da atividade realizada no Seringal Rio Branco e Seringal Cachoeira, pois esse foi um momento importante para a comunidade. Em sua fala, confirmou o apoio da Defensoria neste projeto e em outras ações focadas na justiça social.
O procurador-geral da Justiça, Danilo Lovisaro, falou que o Projeto Cidadão é um selo do TJAC e assim todas as instituições que estão envolvidas compõem a robustez dessa marca. “Essa edição anuncia uma mensagem muito importante para nossa sociedade, sobre estar sensível a esse tema para que assim sejam traçadas mais estratégias focadas nos direitos humanos: cada pessoa em situação de rua tem uma trajetória, devem ser tratadas com respeito e observados os princípios constitucionais”, ressaltou.
Entregando cidadania
Estão sendo oferecidos diferentes serviços das instituições parceiras da esfera municipal, estadual e federal. Assim, logo no início da Rua Benjamin Constant, nas proximidades do Palácio da Justiça está estacionado o ônibus da “Justiça sobre Rodas”, com atendimentos jurídicos realizados pela Vara de Execução Penal e Medidas Alternativas (Vepma).
O Centro Pop está com os atendimentos e encaminhamentos para os serviços que dispõe no Fórum Barão de Rio Branco. Os mais procurados neste primeiro dia estão sendo a segunda via da carteira de identidade, que serão custeadas pela Central Integrada de Alternativas Penais (Ciap/Iapen) e os cortes de cabelo realizados pelo Senac.
A Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Estado, a Justiça Federal, além da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Acre (OAB/AC) disponibilizam atendimento e orientações jurídicas. O Ministério Público do Estado (MPE/AC) levou para a edição o Núcleo de Apoio e Atendimento Psicossocial (Natera) e o MP na Comunidade.
Dentro do pacote de emissão de documentos, a Superintendência Regional do Trabalho, o Instituto de Identificação e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) está proporcionando, respectivamente, o cadastro de Carteira de Trabalho, identificação e Registro Profissional, Seguro-desemprego e abono Salarial e Fiscalização do Trabalho, orientação trabalhista, emissão de Carteira de Identidade e do Cadastro de Pessoa Física.
Kelson Lustosa tirou sua carteira de trabalho. “Amanhã eu vou pro centro de recuperação e eu quero mudar minha vida. Nós somos invisíveis para a sociedade, nós somos lixo né? Então eu quero mudar minha história”, disse ao explicar o porquê de estar buscando regularizar seus documentos.
Com apoio do Senac, Sesc, secretaria de saúde e as faculdades Unama e Uninorte há ainda atendimentos sociais, assistenciais, de saúde, como a emissão de segundas vias de Certidões de Nascimento, Casamento, triagem, testes rápidos, orientações de saúde bucal e serviços odontológicos, corte de cabelo, vacinação e recreação para crianças.
Inclusive, Newton Nascimento foi um dos atendidos, ele tem 21 anos de idade e mora há três meses na rua. Ele disse que saiu de casa por causa do seu vício em drogas, porque não conseguia mais ver sua vó chorando todos os dias por sua condição. Hoje teve curiosidade de ver o que estava disponível e enquanto aguardava pelo corte de cabelo, tomou duas vacinas: a de covid-19 e gripe.
Também são parceiros o INSS, Ministério Público do Trabalho, a Polícia Civil e prefeitura de Rio Branco. É importante ressaltar também que as parcerias não se limitam apenas aos serviços, mas se consolidam em cada ato, por mais simples que pareça, haja vista o esforço coletivo para entregar um serviço de qualidade. Como exemplo, o governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Empreendedorismo e Turismo (SEET) cedeu o uso de tendas, além do apoio na organização com a Polícia Militar do Acre e Departamento Estadual de Trânsito (Detran/AC), assim como o suporte da Energisa.