Absolutamente impensável a realização do Projeto Cidadão sem o apoio das parcerias, que nesta edição alcançou o total de 1.255 atendimentos
Haux haux, na língua huni kuin, significa agradecer, gratidão. Essa palavra foi muito repetida e o sentimento de agradecimento é recíproco e manifestado dos indígenas para as instituições e das instituições para os indígenas.
O Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), por meio do Projeto Cidadão, realizou nesta segunda-feira, 1°, a primeira edição no ano de 2022. Fazendo jus ao slogan do programa social, a atividade promoveu justiça e cidadania na Terra Indígena Igarapé do Caucho, localizada no município de Tarauacá.
A Terra Indígena Igarapé do Caucho tem aproximadamente 12 mil hectares, há 187 famílias, aproximadamente, 900 pessoas habitam no local. Contudo, a ação beneficiou também outras três aldeias da região, como a 18 Praia, Nova Aldeia e Tamandaré.
Representando a presidência do TJAC, a decana da Corte acreana e coordenadora do Projeto Cidadão, desembargadora Eva Evangelista, esteve na aldeia, acompanhada da juíza-auxiliar da presidência, Andrea Brito. Prestigiaram também: a prefeita de Tarauacá, Maria Lucinéia, e secretários municipais. As autoridades foram presenteadas com uma apresentação do grupo de txaná (músicos) que tocaram e cantaram canções nativas.
A desembargadora Eva Evangelista falou da importância da colaboração das instituições parceiras, e sobre assistência àqueles que não têm acesso as facilidades da internet. “A contribuições de todos foram indispensáveis, a partir do projeto que foi pensado para atendimento as populações indígenas e ribeirinhos, aos que estão mais distanciados da documentação, do acesso à Justiça, e o acesso à justiça começa pela documentação. Existe um mundo que está além do virtual, pois nem todos tem acesso à internet, então precisamos realizar esse tipo de atendimento”, finalizou a desembargadora.
A prefeita Maria Lucinéia parabenizou o Poder Judiciário e destacou a figura indígena. “A bandeira de Tarauacá possui um seringueiro e um indígena. Isso é muito significativo e o Projeto Cidadão traz a dignidade da cidadania, independente da etnia, da cor, de todas as formas e o Tribunal de Justiça do Acre está de parabéns”, destacou a chefe do Poder Executivo municipal.
O cacique da Aldeia Caucho Nasso Kaxinawá agradeceu a todos que se organizaram e se mobilizaram pela execução desta atividade. “Uma alegria e um prazer estar recebendo o Projeto Cidadão aqui na nossa aldeia. Centenas de pessoas foram atendidas, e do fundo do coração quero agradecer o trabalho e empenho na nossa comunidade. Dessa forma, queremos trabalhar pra ver todos nós da aldeia como cidadão brasileiro com seus documentos”, completou o cacique.
Antonio Kaxinawá
Já sabemos que o Projeto Cidadão chega em comunidades de difícil acesso, mas imagina uma situação em que mesmo com as ações do projeto no “quintal” de casa, ainda assim ter dificuldade de deslocar-se até o local de atendimento?
Esse é caso do Antonio Kaxinawá, 15 anos, é uma criança com deficiência, que tem dificuldade de fala e locomoção. Sua mãe, Maria Josilene Kaxinawá Ferreira, tem outros quatro filhos e tem dificuldade de levar o Antonio até o cidade para dar entrada no RG do filho. Quando ela soube de uma edição do Projeto Cidadão na própria aldeia, seu coração teve um misto de alegria e angústia, pois não sabia como leva-lo até o local de atendimento. Tão perto, mas ainda tão difícil.
Amor de mãe não conhece limites, então Maria Kaxinawá foi até a equipe do Projeto Cidadão perguntar sobre a possibilidade de uma equipe fazer o atendimento em sua residência. Então, acionaram a equipe da Policia Civil, responsável pelo atendimento para a carteira de RG, que não mediu esforços em percorrer o caminho de difícil acesso, indo até a casa de Antonio para fazer o atendimento. Suas mãos atrofiadas dificultaram a coleta as digitais, mas no final deu tudo certo e em breve ele terá sua Carteira de Identidade.
Maria Kaxinawá falou de seu sentimento com o gesto e pela ação social na aldeia “pra mim é muito importante o Projeto Cidadão ter vindo até aqui na aldeia, pois facilitou ainda mais. Meus outros filhos já possuem documento, só faltava o do Antonio. É uma batalha eu cuidar dos filhos sozinha. Com o documento do Antonio, posso dar entrada no benefícios que ele tem direito. Me sinto feliz recebendo essa ajuda pelo Antonio, por esse apoio do Projeto”, concluiu.
Etnia no documento
Um movimento que tem acontecido em várias aldeias é a reinvindicação dos indígenas pela inserção dos nome da etnia no seu registro. Assim aconteceu na Aldeia Caucho, um dos serviços mais procurados é a renovação dos documentos pessoais com a inserção da etnia no nome. A Defensoria Pública do Estado foi bastante procurada para as primeiras orientações explicando os trâmites burocráticos.
O professor e líder da União da Juventude Indígena Huni Kuin do Caucho (UJIHC, lê-se: ujicác) Isaka Rua Bake, fala que é um processo que os povos indígenas sofreram desde a colonização, onde até mesmo a língua materna eram proibidos de falar. A nova geração está buscando não deixar a cultura de lado e um símbolo desse resgate é a questão dos nomes na documentação.
“Inserir o nome não só serve para que você me olhe e saiba que eu sou um índio, mas no momento que eu entregar a documentação, você vai saber a minha etnia. Então, nós tivemos um processo de perda, mas essa perda, estamos tentando, através dos projetos como esse e das parcerias, recuperar e fazer essa organização dos povos indígenas tanto na questão nome, como na questão organizacional. Queremos reafirmar nossa etnia no documento”, disse Isaka Rua Bake.
Como é caso da liderança no subgrupo Xinã Bena Keneya, Francisco de Assis Araújo, é da etnia Huni Kuin, mas ainda não possui a Kaxinawá no documento e aos 55 anos, vai realizar esse sonho. “Quero acrescentar, porque é nossa etnia. É o que eu sou. Com o nome no documento, me sentirei mais kaxinawá, porque enquanto não tem, me sinto (faz uma pausa) branco, incompleto” finalizou simples e direto.
Parcerias e atendimentos
Absolutamente impensável a realização do Projeto Cidadão sem o apoio das parcerias. A contribuição de todas as instituições, seja a nível municipal, estadual ou federal são cruciais para execução desta ação social, que das 8h às 16h, alcançou o total de 1.255 atendimentos
O Tribunal de Justiça agradece a cada parceiro que esteve presente nesta edição como Ministério Público do Estado do Acre (MPAC), a Defensoria Pública do Estado do Acre (DPE-AC), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o governo do Estado do Acre, por meio da Secretaria de Polícia Civil – Instituto de Identificação, a Secretaria de Saúde (Saúde Itinerante), a Secretaria de Estado de Assistência Social dos Direitos Humanos e de Políticas para Mulheres (SEASDHM), a Polícia Militar do Estado do Acre (PMAC), e a prefeitura municipal de Tarauacá, por meio de suas Secretarias de Assistência Social, Saúde, Produção, Educação, Meio Ambiente; além da Câmara de Vereadores.
O Projeto Cidadão 2022 é fruto de um projeto apresentado pelo TJAC ao Ministério da Justiça. Os recursos são provenientes do Convênio MJ/Senacon/FDD N. 402/202.