O debate, em torno de juízes de Bahia, Rio Grande do Norte e Sergipe, abordou sobre a aplicação da Resolução CNJ n. 391/2021, que aborda a remição de pena por meio de práticas socioeducativas
A juíza-auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), Andrea Brito, mediou debate na 3ª Jornada de Leitura no Cárcere, na última quarta-feira, 30. O evento foi transmitido ao vivo, online e gratuito, pelo canal do CNJ no YouTube.
Realizado entre 29 de novembro e 1º de dezembro, o encontro tem o objetivo de fortalecer o acesso ao livro e à leitura para pessoas privadas de liberdade.
A magistrada, que também é titular da Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas da Comarca de Rio Branco, abordou sobre a aplicação da Resolução CNJ n. 391/2021, que aborda a remição de pena por meio de práticas socioeducativas.
O painel foi composto também pelas magistradas Liz Rezende, juíza auxiliar do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) e Cinthia Cibele Juíza de execução penal em Mossoró, Rio Grande do Norte (TJRN), e pelo juiz Hélio de Figueiredo Mesquita Neto, coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE).
A magistrada do Poder Judiciário acreano, iniciou fazendo uma contextualização sobre o papel da educação como fundamental nas políticas afirmativas e de fortalecimento. A execução penal é apenas uma fase processual que se desempenha o título judicial e tem como objetivo dar uma resposta a uma pena, como forma de reprimir a prática de condutas criminosas e prevenir o seu cometimento. “No panorama contemporâneo do Direito Penal, o caráter preventivo da pena transcende o simples medo da punição, mas se refere ao dever estatal de ofertar condições para reinserir o indivíduo transgressor na vida em sociedade. Surge a remissão da pena como importante ferramenta de reinserção da pessoa presa na vida em sociedade e notadamente porque beneficia os indivíduos que se dedicam rotineiramente ao trabalho e ao estudo no período em que estão privados de liberdade”, comentou a juíza auxiliar da presidência.
Um dos pontos abordos pela juíza auxiliar do GMF/TJBA foi o desconhecimento dos internos sobre as inovações que a resolução trás como o fato que a educação não decorre apenas das atividades escolares do ensino formal em salas de aula, mas também das práticas sociais não escolares, de socialização, de auto aprendizagem e das práticas de leitura.
O conteúdo está disponível na íntegra no canal do CNJ, no Youtube. Assista clicando aqui.
A parceria do CNJ no evento ocorre no contexto do programa Fazendo Justiça, realizado com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e apoio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) para incidir em desafios no campo da privação de liberdade.
A Unidade Penitenciária do Quinari (UPQ/SG) participou da Jornada e disponibilizou a estrutura para a transmissão, assim oito detentos estão assistindo a programação.
Na capital acreana, também houve transmissão na Unidade de Regime Fechado Feminina de Rio Branco (URF-F/RB) e 16 detentas assistiram a programação numa sala de aula da Escola Fábrica de Asas, localizada dentro do Complexo Penitenciário Francisco de Oliveira Conde.
Presídios Leitores
No Acre, o programa “Presídios Leitores”, instituído e coordenado pelo Grupo de Investigação, Leitura e Vida, da Universidade Federal do Acre (UFAC), com apoio de voluntários, foi iniciado em Cruzeiro do Sul, mas com potencial para atender todas as unidades prisionais do Estado. Com o slogan, “A liberdade passa pela leitura, o programa é uma ação educativa desenvolvida com reeducandos da Unidade Penitenciária Manoel Neri da Silva, em Cruzeiro do Sul.
O juiz Flávio Mundim, junto ao promotor de Justiça Ildon Maximiano (MPAC) e o diretor do Complexo Penitenciário do Vale do Juruá Elves Barros participaram da inauguração da biblioteca na Unidade Penitenciária Guimarães Lima. Essa é uma unidade feminina, também situada em Cruzeiro do Sul.
O acervo do programa é constituído de doações, tarefa abraçada pelo Tribunal de Justiça do Acre que repassou obras literárias arrecadas juntos aos servidores. O repasse de livros foi realizado pela bibliotecária do TJAC Elinei Santana, visando incentivar as práticas de leitura no ambiente do cárcere. Além do apoio institucional do Poder Judiciário do Acre, a iniciativa conta com a parceria do Instituto Penitenciário do Acre, Secretaria e Estado de Educação, Cultura e Esporte (SEE), Instituto Federal do Acre (Ifac) e Academia Acreana de Letras.
O juiz de Direito, Hugo Torquato, Titular da Vara de Execução de Penas no Regime Fechado destaca que temos no Brasil, desde 2018, uma política nacional de leitura e escrita, instituída pela Lei 13.696/18 e que “o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu expressamente o direito à remição de pena pela leitura, que posteriormente teve seus procedimentos e diretrizes muito bem traçados pela Resolução CNJ Nº 391 de 10/05/2021”.
O magistrado fala ainda sobre relevância de atenção especial ao direito da educação para todos. “As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Mandela) já indicavam a necessidade de especial atenção aos direitos à educação e à biblioteca no sistema prisional. No mesmo prisma, já havia iniciativas esparsas do Poder Judiciário prestigiando a leitura como método de ressocialização e desenvolvimento pessoal”, afirmou o magistrado.
Política fortalecida
Garantido pela Constituição e pela Lei de Execução Penal, o acesso à educação e à leitura ainda é um desafio no contexto da privação de liberdade, com diferentes respostas em cada unidade prisional. “O acesso à remição por leitura está em 11.82% do total de pessoas privadas de liberdade, mas esse índice era de 6,8% em 2021 e de 3,5% em 2019, quando o CNJ começou a trabalhar esse tema com mais intensidade”, explica o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, Luís Lanfredi. “O envolvimento do CNJ na co-organização da Jornada de Leitura reforça a prioridade desta pauta enquanto política judiciária”, afirma.
Desde 2020, o CNJ tem atuado por meio do programa Fazendo Justiça em iniciativas para potencializar ferramentas de apoio a magistradas, magistrados e equipes técnicas. Além de um grupo de trabalho criado para discutir as bases de um Plano Nacional de Fomento à Leitura nos Ambientes de Privação de Liberdade, estão sendo trabalhados manuais com informações atualizadas, metodologias e fluxos de referência para a universalização da leitura nos sistemas socioeducativo e prisional. A aprovação da Resolução CNJ n. 391/2021, que define a remição de pena por meio de práticas sociais e educativas, também é parte dessas atividades.
Com lançamento previsto para o início de 2023, o Censo Nacional de Práticas de Leitura no Sistema Prisional trará um mapeamento inédito da oferta de práticas de leitura realizado nas 1.340 unidades prisionais estaduais do Brasil – o objetivo é potencializar as ações do Plano Nacional a ser lançado nos próximos meses. Dados preliminares do levantamento indicam que 40% das unidades prisionais brasileiras ainda não dispõem de bibliotecas ou espaços de leitura.