Em seu pronunciamento, o ministro falou sobre os desafios e perspectivas impostas no transcurso da modernidade para a contemporaneidade na atuação do Poder Judiciário na prestação jurisdicional
Pela primeira vez em solo acreano, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin foi recebido pela presidência do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), sendo agraciado com a Ordem do Mérito do Judiciário durante a Sessão Solene do Tribunal Pleno, realizada nesta quinta-feira, 20.
A maior honraria do Judiciário acreano, a ordem Grã-Cruz, foi outorgada pela presidente do TJAC, desembargadora Regina Ferrari. “A presença do ministro simboliza o compromisso com a realização da Justiça e preservação da democracia em todas as regiões do país. A justiça não é valor abstrato, mas realidade tangível e direito inalienável de todos”, enfatizou Ferrari.
Fachin é ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foi o relator da resolução que dispõe sobre os sistemas eleitorais, destinação dos votos na totalização e proclamação dos resultados nas Eleições 2022. Deste modo, entre as inovações normativas estabelecidas está a unificação do horário de votação, o que alterou a rotina do Acre, Amazonas, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Roraima, Mato Grosso e em Fernando de Noronha.
O ministro cumpre agenda em Rio Branco a convite do Tribunal Regional Eleitoral (TRE/AC), onde palestrará sobre os “Desafios da Justiça Eleitoral”, posteriormente. “Ficarão registrados em minha memória tanto a generosidade da acolhida neste egrégio tribunal, quanto as valiosas lições da magistratura acreana que guardarei para sempre em minha atuação jurisdicional”, agradeceu a homenagem.
Estavam presentes a desembargadora aposentada Rosana Fachin, do Tribunal de Justiça do Paraná; esposa do ministro; o governador Gladson Cameli; a vice-governadora Mailsa Gomes; o representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Marcus Vinícius; o senador Sério Petecão; o superintendente regional da Polícia Federal (PF) Eduardo Rogério; o presidente do Tribunal de Contas do Acre (TCE) Ribamar Trindade; procurador-geral Marcos Mota; o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil da Seccional Acre (OAB/AC) Rodrigo Aiache; o diretor do foro da Justiça Federal no Acre, juiz José Geraldo; o diretor de Ciências Jurídicas e Sociais Aplicadas professor doutor Raimundo Neto representando a Universidade Federal do Acre (UFAC); além de representantes de instituições estaduais, parlamentares, magistrados estaduais e servidores do TJAC.
Discurso do Ministro Edson Fachin
Ficarão registrados em minha memória tanto a generosidade da acolhida pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Acre quanto as valiosas lições da briosa magistratura acreana que guardarei para a minha atuação jurisdicional.
Não apenas na prestação jurisdicional que cumpre quotidianamente, como também no caráter verdadeiramente humano de sua atuação, magistradas e magistrados deste Estado se irmanam com as demais funções essenciais da Justiça pelo compromisso de realizar a justiça e fazer o bem.
Sabemos que, no Brasil, foi longo o caminho para a afirmação plena da autonomia do Poder Judiciário. Relembremos que, oficialmente criado pela Constituição de 1891, o Supremo Tribunal Federal esteve no início do período republicano muito próximo das facciosas disputas políticas que dividiam as oligarquias locais e nacionais. Era comum, como se sabe, que a nomeação de Ministros para Corte estivesse mais afeita aos interesses conjunturais aos reclamos da Constituição.
Essa aproximação, no entanto, esteve mais atrelada às circunstâncias e humores políticos, do que a uma escolha do próprio Tribunal. A Corte tornava-se, assim, mais fraca e perdia o poder de arbitrar as disputas institucionais, poder que passou a ser efetivamente utilizado pela Presidência da República, em suas inúmeras intervenções federais. O papel de árbitro da federação, que por Rui Barbosa fora sonhado como sendo o do Supremo Tribunal Federal, coube, assim, naquele tempo, ao Executivo. Eram comuns, mas nem por isso menos lamentáveis, as ameaças de descumprimento da decisão da Corte, exemplificados nas posições dos marechais presidentes.
Ainda que constrangida por essas circunstâncias, formou-se, no entanto, uma tradição no Supremo e no Poder Judiciário brasileiro de mentes e corações que lutaram para preservação da autonomia da justiça face às ameaças totalizantes do Executivo. Ministros com a altivez de um Pedro Lessa ou mesmo do eminente constitucionalista Castro Nunes. Nos sombrios momentos da história do país, o brilho do exemplo deles serviu de guia para atuação de juízes como Hermes Lima, Evandro Lins e Silva, Adaucto Lucio Cardoso e Victor Nunes Leal. Em suas atuações e na discrição com que trabalhavam, reside a essência da independência e da autonomia do Poder Judiciário e da Corte Constitucional que nos legou a constituinte de 88.
Venho visitar e cumprimentar um Poder Judiciário que busca com vigor honrar essa tradição. Faz justiça na defesa pela liberdade de Montesquieu. A liberdade não como possibilidade de se fazer o que se quiser, mas como poder fazer aquilo que se deve. A vontade sem responsabilidade é tirana, autoritária e despótica. A vontade fundada no imperativo da ética e da vida pública liberta e emancipa, como Ulisses fez para não s deixar cair no canto das sereias.
Sei que me dirijo a quem está atento para a Constituição e não se abisma com o despertar de fantasmas autoritários. Dirijo-me a seres intimoratos, espíritos eleitos pelo destino, a quem jamais, nunca, assombrou a exasperação autocrática.
Sociedade e Estado no Brasil foram refeitos em 1988 e assim se constituíram, moldados por finalidades elevadas ao estatuto de norma jurídica. A Constituição é o princípio que avia o fim. A linguagem constitucional é fundacional, e por isso se ela lançou sobre a derrota do passado e se alça a ente simbólico fundador do Estado democrático e da sociedade brasileira.
A Constituição também é um corpo vivo. A complexidade desse fenômeno é um banco de provas. É do procedimento e das decisões resultantes na busca das respostas a essas provas que incumbe se ocupar aqui.
O processo histórico que em 1988 deságua refaz o país. A realidade é nela descrita numa narrativa inclusiva, indígena e universal, aberta e plural, e se projeta às gerações futuras como vinculante para a normatividade jurídica e suas compreensões. Como assim o foi constituída: fraterna, pluralista e sem preconceitos. A centralidade da Constituição de 1988 na arquitetura do Estado Democrático de Direito e da sociedade brasileira apreende não apenas o espaço público (nomeadamente nas relações independentes e harmônicas entre os Poderes), como também a tríplice constituição3 do direito que se dirige às relações privadas. O Estado de Direito torna-se identificado com a democracia; patrimônio, contrato e sistemas de parentesco, o tripé das relações sociais foi constituído nesse mesmo desenho jurídico da normatividade, ou seja, Estado e sociedade assim foram edificados e constitucionalizados.
Nas relações intersubjetivas, houve transformação da ideia de instituições fundamentais, quer quanto à família, a “comunidade de sangue” e a “comunidade de afeto”, quer no tocante à propriedade, ao patrimônio privado, quer ainda na dinâmica jurídica do e da circulação. Na superação do formalismo e na constitutiva dignidade humana se abriram desafios e perspectivas da modernidade à contemporaneidade. De modo especial dentro do sistema de justiça e da prestação jurisdicional.
As questões da justiça dos julgamentos e da decisão correta são inevitavelmente permeadas por controvérsias. A disputa de sentidos integra a coleção aberta de uma sociedade plural e de um Estado de Direito democrático, e nos mais diversos campos de saberes, dentre eles aquele reservado à normatividade jurídica, e confere significados a lugares conceituais como autonomia pessoal, instituições do Estado de Direito democrático e igualdade. São pontos constantemente encontráveis no trajeto de incontáveis interrogações e dilemas tanto da prestação jurisdicional quanto das investigações acadêmicas.
Entrelaçam-se, por aí, olhares e leituras, a razão do julgar e o múnus do pesquisar, ambos sorvidos de conhecimento e de experiência. É dessa argamassa que se constituem juízas e juízes: experiência e conhecimento.
Superar a crise significa exercer a fraternidade e a solidariedade. As controvérsias a respeito de autoridade pública, legitimidade do poder e participação, que já compunham a paisagem nacional, ganham relevo e densidade na pandemia, mas as respostas permanecem no mesmo lugar. É nela, na Constituição, que encontramos a defesa invencível das instituições republicanas, da democracia, do devido processo legal, das garantias processuais, da supremacia dos direitos fundamentais. É a Constituição e sua força vinculante que nos constituem, como pacto ordenador do Estado e da Sociedade. É necessário responder com federalismo cooperativo, com critérios científicos para pautar a atuação dos gestores públicos9 e com a defesa do devido processo legal.
Ao concluir, saúdo e cumprimento, portanto, um vosso exemplo de firmeza, serenidade e de lucidez, e é de exemplos que se faz essa nossa vita activa. Para nós que temos na justiça uma profissão de fé, é impossível exagerar se eu disser que Vossas Excelências cultivam um testemunho dela, da fé paulina, da fé como posse antecipada daquilo que já possuímos: a verdadeira liberdade que só existe na República que tenha legalidade constitucional.
Que arte seja longa como a imorredoura promessa de vida plena.
Grato imenso pela homenagem que me destinam nesta data que ingressará indelével em minha memorabilia.
Muito obrigado por vossa atenção!