Projeto Escrevivências nasceu a partir da necessidade de pautar e educação das relações étnico-raciais no sistema prisional para o público encarcerado, pois 80% dessa população é composta por pessoas negras
O Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC) acompanhou equipe do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), nesta sexta-feira, 10, para conhecer projetos sociais na Unidade de Regime Fechado Feminina de Rio Branco.
A equipe do TJAM, composta pela coordenadora do GMF, juíza de Direito Ana Paula de Medeiros Braga Bussulo, o servidor Felipe Chagas e a coordenadora do Programa Fazendo Justiça, Luanna Marley.
A magistrada do Poder Judiciário do Amazonas Ana Paula de Medeiros Braga Bussulo falou que o objetivo da visita na unidade prisional feminina é conhecer o projeto Escrevivências, que não tem na realidade do Estado do Amazonas.
A juíza falou ainda sobre a avaliação da visita. “Foi uma boa prática que nos foi apresentada e tivemos a curiosidade de vir conhecer para tentar implementar na nossa realidade. Achamos o projeto uma iniciativa muito importante. Primeiro, porque as cumpridoras de pena parecem que estão num ambiente com um pouco mais de liberdade e descontraído, demonstrando um pouco mais de felicidade naquele momento com ginastica laboral”.
“Após esse momento inicial, elas conseguem expor, por meio das impressões da leitura que fizeram, a realidade que elas vivenciam e colocar pra fora muitos dos sentimentos que elas não conseguem expressar de outra forma. Então, por meio dessa arte, ou dessa roda de conversa, ou desse momento único que elas têm, acompanhadas das pessoas do Projeto Escrevivências”, concluiu.
A equipe do TJAM também conheceu a malharia onde são realizados cursos de corte e costura, cujas máquinas foram adquiridas através de recursos provenientes de penas pecuniárias.
Projeto Escrevivências
O projeto Escrevivências da Libertação: reconstruções e redirecionamentos de trajetórias com mulheres negras em privação de liberdade na Jornada. Desenvolvido na Unidade de Regime Fechado Feminina de Rio Branco, o projeto nasceu a partir da necessidade de pautar e educação das relações étnico-raciais no sistema prisional para o público encarcerado, pois 80% dessa população é composta por pessoas negras. O foco inicial é com mulheres negras encarceradas, mas já está sendo ampliado o seu raio de alcance para o público LGBTQIA+, assim como se aproximando de outros públicos como os gestores e as policiais penais.
O objetivo principal da iniciativa é desenvolver o pertencimento, consciências e educação das relações étnico-raciais com mulheres negras em privação de liberdade através de “escrevivências”, isto é, processos de leitura e escrita que perpassam as trajetórias de vida. Assim, promover o conhecimento e transformação por meio das experiências e memórias de outras mulheres, para que possam olhar pra si e reverem suas trajetórias – conexão que a leitura tem construído com maestria.
Escrevivência é um termo criado pela escritora brasileira Conceição Evaristo que, a grosso modo, significa a vida que se escreve na vivência de cada pessoa, assim como cada um escreve o mundo que enfrenta. O projeto foi um dos 17 aprovados para receber recursos das penas pecuniárias, edital de 2022 da Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas da Comarca de Rio Branco.
Cláudia Marques de Oliveira é uma mulher preta, quilombola, afroindígena do povo gurutubano, doutoranda, pesquisadora, ativista dos Direitos Humanos. Atuante na formação de professores no sistema prisional, coordenadora da Rede MulherAções, e uma das fundadoras do projeto Escrevivências.
A professora fala sobre o contexto e a essência do projeto: “trazemos histórias de mulheres negras que são histórias de vida relacionadas ao pertencimento negro. Quando uma pessoa negra escreve, especialmente no contexto sobre pessoas negras, pode estar trazendo vivências da vida dela como também ficções”.
A docente fala ainda sobre a discrepância em trabalhar sobre o mesmo tema com mulheres na universidade e em situações periféricas. “Trabalhamos não só com a leitura e escrita, mas também com uma metodologia criada pela Rede MulherAções com as mulheres em privação de liberdade. Percebemos a dificuldade em desenvolver o pertencimento e fortalecimento de mulheres negras no contexto da universidade. Imagine com mulheres em situações periféricas dentro do sistema prisional? A maior parte delas tiveram pouco acesso a escolarização, logo, também a leitura”, afirma a professora.