É óbvio que o Poder Judiciário e a área da Comunicação precisam estar em diálogo contínuo. Mas, às vezes, é bom recordar certas obviedades, tidas como corriqueiras no batidão do dia a dia. Do contrário, podemos acreditar que o fato é dado e consumado, quando, na verdade, o diálogo precisa ser constantemente tecido para que um colabore com o outro, sem atropelos e com a efetividade, tão preciosa ao serviço público.
Nesse sentido, o Fórum Nacional de Comunicação e Justiça (FNCJ) promoveu entre os dias 19 a 21 de junho o XVIII Congresso Brasileiro dos Assessores de Comunicação (Conbrascom), para debater o tema “Acesso a direitos: da linguagem simples à inteligência artificial”. O evento, realizado na capital do Ceará, Fortaleza, reuniu 260 assessores de Comunicação de tribunais de Justiça, tribunais federais, eleitorais, do trabalho, de contas e de instâncias superiores, assim como, profissionais da área que atuam nos ministérios público, defensorias, procuradorias, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e conselhos dos órgãos ministeriais e das advocacias pública.
Isso representou 115 instituições do Sistema de Justiça e 40 cidades do país. Todas e todos puderam participar de oficinas, palestras, plenárias e reuniões setoriais para se atualizarem e, essencialmente, trocarem experiências, com objetivo de melhorar os serviços prestados. Afinal, a máxima, repetida pelo apresentador e comunicador Chacrinha, na TV aberta dos anos 60, “quem não se comunica, se trumbica”, é também uma exigência desta época, com as tecnologias, aplicativos, dispositivos mediando todos os âmbitos da nossa vida.
Para se comunicar não basta ter um celular high tech, câmera profissional, perfil nas redes sociais com diversos seguidores, ser celebridade de internet. Esse são fatores que podem contribuir sim, mas não são os únicos.
Com o Pacto da Linguagem Simples, aderido pelo Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), os conhecimentos da área da Comunicação estão sendo requisitados e a redação jurídica precisa beber dessa fonte para melhorar seu diálogo com as pessoas, fazer com que a decisão, sentença e despacho sejam mais acessíveis e compreensíveis.
Durante o Conbrascom 2024 isso foi enfatizado, tanto que houveram oficinas e duas palestras sobre uso da linguagem simples. O cientista da computação, Welkey Costa, coordenador do Laboratório de Inovação do Tribunal cearense, LabLuz, dividiu o painel “Linguagem Simples”, com a professora Olívia Freitas e apresentou algumas iniciativas implantadas, buscando melhorar a comunicação do TJ do Ceará com as cidadãs e cidadãos.
Entre os projetos citados por Welkey estão a: transformação de comunicados, intimações e mandados em perguntas e respostas; publicação de edital de concurso em linguagem simples, com diagramação que facilita a leitura; e a elaboração de material informativo, por exemplo, explicando as medidas que uma pessoa executando pena precisa cumprir, para evitar regressão de regime por incompreensão das obrigações.
Outro ator que deve fazer parte do diálogo entre Judiciário e Comunicação são as tecnologias da informação, que tornam cada vez mais palpável a simulação digital da consciência humana. O avanço dos modelos de linguagem de grande escala (em inglês Large Language Model) permite escrever textos, gerar imagens, editar vídeos, realizar tarefas da área do jornalismo, apenas com comandos digitais em uma plataforma, como por exemplo a ferramenta ChatGPT 4.0. Não à toa que o jornalista Pedro Doria, responsável pela palestra de abertura do Conbrascom, afirmou que esse chatboot, desenvolvido pela empresa Open AI, pode ser considerado um marco zero no desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA).
Entretanto, é primordial empregarmos essas ferramentas para melhorar nossos processos de trabalho e não substituir o ser humano. Lógico que profissões vão mudar, como lembrou o palestrante e especialista em tecnologia, Edney Souza. Pode chegar um momento que nosso conjunto de tarefas poderão ser executados de maneira mais eficiente por máquinas. Mas, como enfatizou o Edney, nós não somos nossas tarefas, somos seres humanos, somos muito mais do que o conjunto de habilidades e funções.
Por isso, precisamos fazer as tecnologias trabalharem ao nosso favor, realizando o trabalho repetitivo e massivo, que tira tempo da criatividade, que deveríamos dedicar àquilo que é sensível as mais diversas áreas. Contudo, quando pessoas continuam designadas as tarefas repetitivas e se emprega um robô automatizado para tecer conceitos o inverso ocorre, e nós trabalhamos para as máquinas.
Contar histórias de gente como a gente, de gente que toca o coração é algo que precisa ser feito pelo ser humano, como lembraram a presidente do Fórum Nacional de Comunicação e Justiça, Débora Diniz, e a professora doutora e poetisa Viviane Mosé. Para a docente, vivemos um momento de desafio ético, econômico e de sustentabilidade da espécie humana. Mas, com respeito à diversidade, com acessibilidade e resgate da nossa força motriz principal, a humana, poderemos caminhar para um mundo melhor, atendendo o que declamou Mosé:
“Haverá um dia em que o gosto na boca do café e do poema não mais encontrarão em mim um corpo onde deitar. O som nas matas, o vento nas folhas, meu filho dizendo ‘mãe’, não mais perpassarão meus ouvidos. O trânsito lento, as festas de rua, os banhos de mar continuarão sem mim. Então, que o meu rastro no mundo, em forma de culto e de reza, em forma de mantra e de música, seja o registro de um amor incondicional pela vida. À esta vida desconhecida, instável, contraditória e profundamente bela. À esta vida, eu dedico o meu melhor, se houver um melhor”.
*Emanuelly Falqueto é mestre em Comunicação Midiática e analista judiciária em Comunicação do TJAC há nove anos