Conferência terminou em clima de otimismo quanto à aplicação de diretrizes e políticas voltadas às especificidades da população em situação de rua no estado. “O Acre pode ser um exemplo para o Brasil, aqui nós temos todas as condições de avançar”, registrou coordenador do Comitê Nacional PopRuaJud
Terminaram nessa quarta-feira, 21, com uma tarde de palestras, as atividades do II Seminário Política Judicial de Atenção às Pessoas em Situação de Rua, promovido pelo Poder Judiciário do Estado do Acre, em parceria com instituições do Sistema de Justiça e entidades públicas e privadas.
O evento aconteceu na sede do TRE-AC e contou com a presença do presidente da Corte Eleitoral, desembargador Júnior Alberto Ribeiro; da desembargadora Waldirene Cordeiro, representando o TJAC; do juiz auxiliar da Presidência, Giordane Dourado; das juízas de Direito Andrea Brito, Bruna Perazzo, Thais Kalil e Olívia Ribeiro, bem como dos juízes de Direito Clóvis Lodi, Robson Aleixo e Gilberto Matos (presidente da Associação de Magistrados do Acre).
Participaram, ainda, defensores públicos, promotores e procuradores de Justiça, representantes dos movimentos de pessoas em situação de rua, entre diversos outros atores públicos e privados. Dezenas de pessoas em situação de rua também se fizeram presentes e participaram ativamente nos debates.
“Brasil tem ampliado a desigualdade social, a sociedade tem empurrado um grupo significativo de pessoas para extrema pobreza”
O conselheiro do CNJ Pablo Coutinho, coordenador do Comitê PopRuaJud e da Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua, foi o primeiro palestrante da tarde. Ele comentou sobre a atuação do Conselho Nacional de Justiça na área e compartilhou informações que mostram que na última década o Brasil ampliou desigualdades sociais, o que resultou em um crescimento exponencial da população em situação de rua.
Segundo Coutinho, dados do CadÚnico, o Cadastro Único para Programas Sociais, do Governo Federal, apontam que, em 2013, o país tinha cadastrado quase 23 mil pessoas vivendo em situação de rua. Passados pouco mais de 10 anos, os dados agora apontam que quase 302 mil brasileiros vivem nessa condição, às margens da sociedade, invisibilizados e privados de seus direitos.
Após, a palestra da juíza federal Luciana Ortiz, participou, via videoconferência, o também magistrado Afrânio José Fonseca Nardy, titular da Vara Infracional da Infância e da Juventude e juiz auxiliar da Comarca de Belo Horizonte (TJMG), que abordou o atendimento a adolescentes em situação de rua pela Justiça Juvenil, a proteção integral dos direitos das crianças e adolescentes, a convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, sociopuniçãoantipedagógica, entre outros assuntos.
Na sequência, também via videoconferência, foi a vez do defensor público da União e ex-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos Renan Sotto Mayor apresentar a palestra “Medidas Penais e População de Rua – Um Olhar a Partir dos Direitos Humanos”. Na oportunidade, Sotto Mayor se disse feliz e parabenizou o Poder Judiciário do Estado do Acre e o MPAC pelo olhar diferenciado, “não criminalizador” da população em situação de rua.
Por fim, o encerramento coube à juíza de Direito Andréa Brito, titular da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas e coordenadora do Grupo de Monitoramento do Sistema Carcerário e Socioeducativo que falou sobre as ações desenvolvidas em prol da garantia dos direitos e especificidades da população vivendo em situação de rua. A magistrada também apresentou o caso de um reeducando que, na condição de pessoa em situação de rua, praticou 9 delitos – a maior parte furtos – e conseguiu somar 9 penas, totalizando 25 anos de prisão, resultando em um custo prisional superior a 300 mil reais.
“A provocação que se faz é sobre diretrizes judiciárias relevantes para que a gente possa efetivamente somar as nossas decisões e os nossos fundamentos, as diretrizes e princípios que estão postos nas resoluções (…). Pensar que efetivamente a condição de vulnerabilização dessa pessoa está levando ao somatório de pena e ao alcance deste quantitativo no total. Portanto, a gente fala do ciclo penal, que é onde efetivamente precisamos pensar porta de entrada, execução e porta de saída e atenção a essas pessoas. Mas, para além disso, o nosso Poder Judiciário construiu um plano de ação com 11 pontos, que incluem portaria de acesso, acolhimento humanizado (…), emissão de documentação civil, oferta de meios consensuais – então (é preciso) valorizar a Justiça Restaurativa -, atendimentos itinerantes, temos a Justiça Sobre Rodas (…) que aporta nos espaços onde estão concentradas as pessoas em situação de rua”, discorreu a juíza de Direito Andréa Brito.
“As ideias brotaram, nós ouvimos o que eles precisam e, para isso, podemos trabalhar para que novas e melhores políticas públicas sejam entregues para eles”
A desembargadora Waldirene Cordeiro, que é supervisora do Programa Justiça Restaurativa no âmbito do TJAC, ressaltou a importância das atividades, não somente para garantia dos direitos da população em situação de rua no estado do Acre, mas para todo o sistema de Justiça e a sociedade geral.
“O segundo seminário estadual de atenção às pessoas em situação de rua para mim foi um sucesso. Primeiro, pela excelência das palestras que tiveram e mais ainda pela participação efetiva das pessoas que, para quem nós estamos trabalhando, para quem nós fizemos o evento, que são as pessoas em vulnerabilidade, são aquelas que estão na rua (…). Ouvimos a fala deles efetivamente, para além disso, todos os parceiros que contribuem com a melhoria de vida dessas pessoas (…). Nós, como Tribunal de Justiça, a Defensoria Pública, o Ministério Público, o Estado e o município estavam nesse evento. Tivemos a honrosa presença do Conselheiro Nacional do CNJ, doutor Pablo Coutinho, também contamos com a. Honrosa presença da doutora Luciana Ortiz. Por isso que eu registro que foi de muita valia, porque as ideias brotaram, nós ouvimos o que eles precisam e, para isso, podemos trabalhar para que novas e melhores políticas públicas sejam entregues para eles”, considerou a desembargadora Waldirene Cordeiro.
A supervisora do Núcleo de Justiça Restaurativa do Poder Judiciário estadual também fez menção especial ao apoio da Presidência do TJAC, pela sensibilidade à causa dos mais vulneráveis no Acre.
“O apoio incondicional da nossa presidente, desembargadora Regina Ferrari, é um diferencial. Ela é uma pessoa totalmente sensível às causas sociais e todos que fazem parte da família judicial estavam presentes. Agradecimento também, não posso deixar de fazê-lo, ao TRE, que nos cedeu no último dia para participar e efetivamente fazer o seminário de dependência do TRE. Então, de excelência, mais uma vez, registro, por ouvir aquelas pessoas e ver como vivem aquelas pessoas”, destacou a magistrada de 2º Grau.
O presidente do TRE-AC, desembargador Júnior Alberto Ribeiro, por sua vez, afirmou que o fórum de debates teve a relevância de “plantar uma semente, um direcionamento para que (…) integrantes do Poder Judiciário, do Poder Executivo, de diversos órgãos, possam saber como enfrentar, saber como desenvolver medidas que venham a minorar todo o sofrimento que a nossa população de rua atravessa no seu dia a dia”.
O juiz auxiliar da Presidência do TJAC e coordenador do Comitê Multinível, Multissetorial e Interinstituição (COMMI) da Corte de Justiça acreana, Giordane Dourado, expressou “alegria, honra e satisfação” pelo sucesso da atividade e o compromisso das instituições em promover esforços conjuntos e efetivos para melhoria do acesso à Justiça e garantia dos direitos humanos da população em situação de rua”.
“Uma oportunidade singular de diálogo, uma oportunidade para todos ouvirmos as pessoas em situação de rua, para apresentarmos projetos e trabalhos voltados a essa assistência e, sobretudo, para que, a partir deste encontro, sejam gestadas, produzidas ações concretas em rede para promover assistência às pessoas em situação de rua. O Poder Público precisa estar presente, precisa conversar e precisa agir em cooperação (…); esse projeto, ele significa a realização de direitos humanos e a realização de direitos humanos deve ser feita de forma multidimensional. Não é só apenas dar um alimento, não é só apenas dar uma consulta médica, é um conjunto, porque (…) pessoas devem ser tratadas com igual respeito, dignidade e consideração”, ressaltou o magistrado.
Por sua vez, o procurador-geral do Ministério Público do Acre, Danilo Lovisaro, afirmou ter “um apreço muito especial” pela causa da garantia dos direitos da população em situação de rua e lembrou que o Estado do Acre foi o primeiro entre os entes federativos a se tornar signatário do pacto Ruas Visíveis, um processo no qual o MPAC desempenhou relevante papel.
“Reafirmo os agradecimentos pelo diálogo e pela articulação que tem sido feita com os entes estatais, especialmente com o Estado, (…) com o município. Ambos assinaram o pacto Ruas Visíveis. O Estado do Acre foi o primeiro no Brasil a assinar. E o Ministério Público se orgulha muito de ter ajudado a fazer essa articulação junto com o Estado e com o município. Desejo cada vez mais atuar na proteção, na valorização dessa pauta tão importante (…), uma causa importantíssima para o Ministério Público e para todos nós que estamos aqui fazendo esse esforço e desejando que a gente possa, cada um, dentro da sua medida, contribuir um pouco para melhorar a situação dessas pessoas que merecem tanto nosso carinho e o nosso apoio”, declarou o procurador-geral do MPAC.
José Vanilson Silva, representante do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e integrante do Comitê Nacional PopRuaJud, destacou a importância da Resolução CNJ nº 425, que cria a Política Nacional de Atenção à População de Rua no Judiciário e suas interseccionalidades.
“Muito importante, o tema justiça, a população em situação de rua e a justiça. Essa relação é bem difícil porque, por exemplo, uma pessoa em situação de rua comete um pequeno delito, que pode ser pago com uma pena alternativa. Aí o juiz, por ver que ele não tem direito fixo – o que não é culpa nossa, é culpa dos poderes, porque é constitucional o direito à moradia. Eles dizem o seguinte: manda pro presídio (…). Então essa resolução vem pra impedir que essas questões aconteçam. Como também a retirada de bebês das mães em situação de rua, né? E também nos presídios. Hoje nós não sabemos quantas pessoas estão nos presídios que estavam em situação de rua, mas sabemos que são muitas, né? Então é muito importante a gente conhecer a Resolução 425”, registrou José Vanilson.
Resolução CNJ nº 425/2021
Diante do desafio de abrir as portas da Justiça aos mais vulneráveis, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu, por meio da Resolução CNJ n. 425/2021, a Política Nacional de Atenção às Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades (PopRuaJud).
O objetivo da diretriz é oferecer à população em situação de rua atendimento prioritário e sem burocracia nos Tribunais brasileiros, possibilitando o acesso à Justiça de modo célere, simplificado e efetivo. Na prática, a Resolução CNJ nº 425/2021 se tornou instrumento de fundamental importância na política de inclusão para mudar a realidade social do país.
Sobre o II Seminário Estadual de Atenção às Pessoas em Situação de Rua
A conferência ocorreu a partir de deliberação do Comitê Multinível, Multissetorial e Interinstitucional para Pessoas em Situação de Rua (Commi) do Poder Judiciário do Estado do Acre. Atuaram como parceiros na ação a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH), o TRE-AC, as Defensorias Pública Estadual e da União (DPE e DPU), a Justiça Federal, o Tribunal do Trabalho da 14ª Região, o MPAC, a Associação de Redução de Danos do Acre (Aredacre), o Movimento População de Rua e o Movimento Acreano de Pessoas em Situação de Rua (MAPSIR), bem como a Prefeitura Municipal de Rio Branco.