A data comemorativa remete a importância de reconhecer a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições das populações indígenas
Nesta terça-feira, dia 12, a Universidade Federal do Acre (Ufac), por meio do Programa de Educação Tutorial (PET) Conexões de Saberes: Comunidades Indígenas promoveu a palestra “Acesso à Justiça e os Povos Indígenas no Acre”. A coordenadora estadual do programa Fazendo Justiça Pâmela Villela e a juíza-auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC) compuseram a atividade.
O evento reuniu, principalmente, estudantes indígenas da universidade. A videoconferência foi mediada pelo aluno de Economia Francisco Manchineri e a primeira exposição foi realizada pela pesquisadora Solene Costa, que narrou sua experiência na Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Acre.
Em sua fala, ela explicou ter percebido nos atendimentos como a linguagem jurídica é uma questão limitadora para o acesso à Justiça. O assunto também é tratado em sua dissertação de mestrado, “a Ouvidoria é um espaço de escuta qualificada de pessoas em vulnerabilidade”, assim ela se aprofundou na análise do discurso, nos sujeitos e “assujeitamentos”, por meio de estudos de casos com atendimentos a pessoas da comunidade Madijá.
Em seguida, a representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Pâmela Villela apresentou a estrutura do programa Fazendo Justiça e as normas elencadas para o acesso à Justiça pelos indígenas, que são: Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, a Constituição Federal, as Regras de Bangkok, a Convenção n° 169 sobre Povos Indígenas e Tribais e a Lei n° 6.001/1973, conhecida como Estatuto do Índio.
Deste modo, Pâmela explicitou o conteúdo detalhado da Resolução 287/2019 do CNJ sobre o tratamento das pessoas indígenas acusadas, condenadas ou privadas de liberdade. A aplicação da normativa estabeleceu diretrizes para assegurar direitos dessa população no âmbito criminal.
“A efetivação dessa política demanda uma maior compreensão cultural e jurídica. É preciso considerar que se trata da inclusão de pessoas que são falantes da língua portuguesa e das que não são, ou seja, que falam somente sua língua nativa. Elas têm direito a um intérprete em seu atendimento. A resolução prevê a realização de perícia antropológica, no qual os profissionais devem ser preferencialmente pessoas da comunidade, portanto o Poder Judiciário tem a intenção de ampliar o diálogo para efetivar esses direitos”, resumiu.
Na continuidade, a juíza Andrea Brito expôs como as ações do Projeto Cidadão, Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência e da Coordenadoria da Infância e Juventude têm contemplado esse público nos últimos anos. Ela também destacou a importância de assegurar a auto identificação, ou seja, o reconhecimento do indígena documentalmente, porque esse é o caminho para a implementação das medidas e acesso a garantias específicas.
“É preciso que o Estado tenha uma postura ativa na adoção de medidas para reverter a discriminação contra pessoas indígenas. Para isso, um mecanismo fundamental é a produção de dados que auxiliem a identificar onde estão os principais obstáculos e como superá-los. Por este motivo, os tribunais devem garantir que as informações sobre a identidade indígena, língua e etnia constem nos registros de todos os atos processuais do Poder Judiciário, especialmente na ata da audiência de custódia”, frisou a titular da Vara de Execução Penal e Medidas Alternativas.
Para contextualizar o desafio atual, evidenciou o exemplo de compreender a monitoração eletrônica para uma pessoa que reside em uma aldeia, bem como outras peculiaridades do semiaberto para esse público. “No Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) há 1.618.045 cadastros, destes 23 mil são do Acre. Do montante nacional há 606 que são indígenas em cumprimento de pena e 45 são do nosso estado”, ressaltou.
A partir disso, o grupo indicou a proposta de criar uma carta de intenções. A professora Aline Nicolli, tutora do PET Indígena, assinalou: “entendemos a importância de dar visibilidade e somar vozes a essa causa, porque as instituições querem fazer sua parte e não tomar o lugar do indígena”, afirmou.
Por fim, o advogado Felipe Cândido, pertencente à etnia Apurinã, enfatizou o preconceito. “Nas escolas, o Dia do Índio sempre parece um carnaval – todo mundo de cocar e a sala pintada de estereótipos. Ainda hoje essa data precisa ter outro sentido”, apontou.
O contraponto do debate foi materializado a partir da história do seu bisavô. “Meu bisavô teve o pai assassinado em conflitos agrários, como a gente vê na própria história do Acre com as correrias. Ele era seringueiro, artesão e pescador. Em 2019, ‘ancestralizou’, então a falta de documentos foi uma grande dificuldade após sua morte. Foi uma luta muito grande para minha bisavó acessar os direitos previdenciários”, contou.
Seu depoimento trouxe outros episódios familiares e pessoais, que enriqueceram o encontro e confirmaram o engajamento dos participantes. Se você se interessou por esses diálogos, ainda é possível acompanhar a programação. Confira os próximos eventos: