Feito : Providência n. 24 Autuação : 29.08.2005 Requerente : Maha Kouzi Manasfi e Manasfi, Juíza de Direito Substituta, em exercício na Vara de Delitos de Tóxicos e Acidentes de Trânsito Assunto :Ausência de Defensor Público para a realização de audiência. Solicitação de providências para que o Estado, através da Defensoria Pública, preste assistência judiciária aos necessitados. Trata-se de pedido de providência formulado pela MM. Juíza de Direito Substituta, Dra. Maha Kouzi Manasfi e Manasfi, a esta Corregedoria de Justiça, para que o Estado do Acre, por meio da Defensoria Pública, preste assistência judiciária aos necessitados a contento, haja vista que o reduzido número de profissionais pertencentes a esta instituição vem acarretando retardamento na prestação jurisdicional. Assevera a requerente que a audiência de inquirição de testemunhas designada para o dia 31.08.2005, às 08:30 h, referente aos autos da Ação Penal n. 001.01.026938-0, em que figuram nos pólos ativo e passivo, respectivamente, a Justiça Pública e o denunciado David Rodrigues Salino – que inclusive encontra-se preso – não foi realizada devido à ausência de membro da Defensoria Pública, embora tenha a instituição sido intimada para tanto. Encaminhada a solicitação ao Excelentíssimo Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Acre, este determinou fossem os autos encaminhados a esta Assessoria, para elaboração de parecer acerca da possibilidade de os juízes nomearem advogado ad hoc aos necessitados, com condenação do Estado em honorários advocatícios. É o breve relatório. A Constituição Federal estabelece, em seu art. 5º, LIV e LV, os princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, ao dispor que: “LIV- ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” (grifo nosso). A lição de Alexandre de Morais, o princípio do due process of law “configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos , à decisão imutável, à revisão criminal”. Como forma de efetivar a observância de tais princípios, a própria Constituição Federal ofereceu mecanismos capazes de permitir e facilitar o acesso e a defesa de todos aqueles que buscam a prestação jurisdicional, com vista a minimizar a tão freqüente hipossuficiência existente entre os próprios litigantes ou entre estes e o Estado. A indispensabilidade do advogado, como forma de garantir o direito das partes à defesa técnica, constitui um desses mecanismos (art. 133, da CF). Nos termos do art. 5º, LXXIV, da CF “ o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;”. Reza o art. 134 do mesmo diploma legal que: “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.” A conjugação dos artigos supra deixa claro que, ordinariamente, seria a Defensoria Pública a instituição responsável pela assistência jurídica a que se refere a Magna Carta. No entanto, sendo a atuação dessa instituição inexistente ou insuficiente, abre-se ao juiz a possibilidade de nomear advogado dativo para exercer a defesa do necessitado no caso concreto, em substituição ao defensor público. Cumpre-nos analisar agora a legalidade de tal prática, bem como suas implicações em relação à responsabilidade do Estado no tocante ao pagamento dos respectivos honorários advocatícios. Primeiramente, cumpre destacar que o Estado tem o dever de prestar assistência jurídica integral e gratuita, sendo esta uma garantia constitucional. Conforme ensinamento de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, “Caso o Estado não tenha condições de desincumbir-se desse mister, deve delegar essa função a advogado particular, porque exerce função delegada do poder público, tem todas as prerrogativas e todos os deveres decorrentes dessa delegação.” A lei que regula a assistência judiciária é a Lei n. 1.060, de 5 de fevereiro de 1.950 (LAJ), com suas posteriores alterações, devendo seus dispositivos serem observados, pelas partes, por seus procuradores e, principalmente, pelo juiz, a quem a lei confere amplos poderes para analisar e garantir a suficiente defesa da parte em Juízo. Em seu art. 5º, a LAJ prescreve que: “Art. 5º. O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de 72 (setenta e duas horas). §1º. Deferido o pedido, o juiz determinará que o serviço de assistência judiciária, organizado e mantido pelo Estado, onde houver, indique, no prazo de 2 (dois) dias úteis, o advogado que patrocinará a causa do necessitado. §2º. Se no Estado não houver serviço de assistência judiciária, por ele mantido, caberá a indicação à Ordem dos Advogados, por suas Seções Estaduais, ou Subseções Municipais. §3º. Nos Municípios em que não existirem subseções da Ordem dos Advogados do Brasil, o próprio juiz fará a nomeação do advogado que patrocinará a causa do necessitado. §4º. Será preferido para a defesa da causa o advogado que o interessado indicar e que declare aceitar o encargo. §5º. Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos.” O ideal é que o Estado mantenha serviço organizado para a prestação de assistência jurídica integral ao necessitado. Entretanto, não contando o Estado com o serviço da Defensoria Pública e, inexistindo convênio entre a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pode o juiz nomear advogado privado para exercer esse múnus público, sendo que, a assistência, in casu, caracterizar-se-á como função pública delegada. No caso do Estado do Acre, em que existe Defensoria Pública, a princípio não seria possível a delegação de serviços de assistência jurídica a advogados particulares (dativos), vez que a Constituição Federal confere àquela a titularidade para a prestação desse serviço. Contudo, a análise do art. 5º do Estatuto da OAB, feita à luz dos princípios constitucionais, permite concluir que, ainda que haja Defensoria Pública em determinado local, far-se-á possível a nomeação de defensores dativos, eis que o constituinte não se contenta com a mera existência do serviço de assistência jurídica aos necessitados, mas exige que este seja prestado de forma integral e gratuita pelo Estado. Logo, a falta do serviço, bem como sua subprestação, autoriza o magistrado a nomear advogado dativo a quem dele necessite, sob pena de estar-se ferindo o princípio do devido processo legal e as garantias a ele inerentes. Aliás, trata-se de poder-dever do magistrado velar pela observância da igualdade das partes no processo e pela defesa dos interesses das mesmas em juízo. Sobre os honorários do advogado dativo, há que se ponderar duas situações. A primeira se refere a quando o beneficiário da assistência jurídica sair vitorioso na demanda, caso em que, conforme Súmula 450 do STF: “São devidos honorários de advogado sempre que vencedor o beneficiário da justiça gratuita.”. Outra, quando aquele for vencido. Neste caso, embora a LAJ disponha sobre o pagamento de honorários na forma de seu art. 12, o certo é que este, conforme entendimento majoritário, não foi recepcionado pelo novo ordenamento constitucional. Doutrina e jurisprudência majoritárias comungam do entendimento de que os honorários advocatícios do defensor dativo devem ser suportados pelo Estado, sob pena deste locupletar-se às custas do profissional que, afinal de contas, realizou função que caberia aquele desempenhar. Esclarecedora, neste tocante, a Ementa do Acórdão da 1ª Turma do STJ, que julgou o REsp 540965/RS, cujo relator foi o Ministro Luiz Fux: PROCESSUAL CIVIL HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PROCESSO CRIME. DEFENSOR DATIVO. SENTENÇA QUE FIXA OS HONORÁRIOS. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. 1. A verba que fixada em prol do defensor dativo, em nada difere das mencionadas no dispositivo legal que a consagra em proveito dos denominados serviços auxiliares da justiça e que consubstanciam título executivo (art. 585, V, do CPC). 2. A fixação dos honorários do defensor dativo é consectário da garantia constitucional de que todo o trabalho deve ser remunerado, e aquele, cuja contraprestação encarta-se em decisão judicial, retrata título executivo formado em juízo, tanto mais que as lista dos referidos documentos é lavrada em numerus apertus, porquanto o próprio Código admite “outros títulos assim considerados por lei”. 3. O advogado dativo, por força de lei, da jurisprudência do STJ e da doutrina, tem o inalienável direito aos honorários, cuja essência corporifica-se no título judicial que não é senão a decisão que os arbitra. 4. É cediço que o ônus da assistência judiciária gratuita é do Estado. Não havendo ou sendo insuficiente a Defensoria Pública local, ao juiz é conferido o poder-dever de nomear um defensor dativo ao pobre ou revel. Essa nomeação ad hoc permite a realização dos atos processuais , assegurando ao acusado o cumprimento dos princípios constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa. 5. A indispensabilidade da atuação do profissional do Direito para representar a parte no processo gera ao defensor dativo o direito ao arbitramento de honorários pelos serviços prestados, cujo ônus deve ser suportado pelo Estado (Precedentes do STF – RE 222.373 e 221.486) 6. Recurso provido. Como no Estado do Acre não há tabela de honorários específica para advogados dativos, aplicar-se-ia o art. 22 e ss. da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), cabendo ao juiz fixar os honorários no caso concreto, de acordo com a tabela organizada pela OAB, recomendando-se, no entanto, seja considerado, dentre outros fatores, o tempo despendido, a quantidade e a dificuldade dos atos praticados pelo profissional, a fim de que seja mantida a razoabilidade e a proporcionalidade em tais fixações. Ante o exposto, esta Assessoria manifesta-se pela possibilidade de os magistrados nomearem advogados dativos, sempre que verificarem a ausência ou ineficiência da prestação de assistência jurídica aos necessitados por parte da Defensoria Pública, devendo o Estado arcar com os honorários advocatícios, que deverão ser fixados pelo juiz segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, nos termos da Lei 8.906/94, de molde a salvaguardar os princípios constitucionais do due process of law, da ampla defesa, do contraditório e da igualdade, bem como viabilizar o acesso e a distribuição da justiça. É o parecer. Rio Branco, 22 de setembro de 2005. Belª Juliana Caobianco Queiroz Mateus Feito : Providência n. 24 Autuação : 29.08.2005 Requerente : Maha Kouzi Manasfi e Manasfi, Juíza de Direito Substituta, em exercício na Vara de Delitos de Tóxicos e Acidentes de Trânsito Assunto :Ausência de Defensor Público para a realização de audiência. Solicitação de providências para que o Estado, através da Defensoria Pública, preste assistência judiciária aos necessitados. D E S P A C H O I- Acolho o parecer da Assessoria Jurídica em sua integralidade. II- Baixe-se ato, disciplinando a questão. Rio Branco, 22 de setembro de 2005. Des. Arquilau de Castro Melo Corregedor Geral da Justiça
Parecer da Assessoria da Coger sobre nomeação de advogado dativo
Assessoria | Comunicação TJAC