Apesar dos avanços, como a redução da população carcerária em 52% e a realização de programas de ressocialização, URFF ainda apresenta gargalos consideráveis no que diz respeito à garantia dos direitos das mulheres privadas de liberdade; ações de saúde, como consultas e exames, entre outros procedimentos, merecem atenção
O Grupo de Monitoramento e Fiscalização dos Sistemas Carcerário e Socioeducativo (GMF) do Tribunal de Justiça do Acre realizou na tarde de terça-feira, 13, mais uma atividade de inspeção na Unidade de Regime Fechado Feminino (URFF) do Complexo Prisional Francisco de Oliveira Conde.
A ação foi executada pela coordenadora e pelo vice-coordenador do GMF, a juíza de Direito Andréa Brito e o juiz de Direito Robson Aleixo, juntamente com a secretária do órgão, Débora Nogueira.
As inspeções judiciais em estabelecimentos de privação de liberdade visam garantir o cumprimento de direitos constitucionais e internacionais, contribuindo para o respeito aos direitos humanos e prevenção de tortura, maus-tratos e tratamento degradantes, assegurando que as pessoas privadas de liberdade recebem tratamento adequado e que haja o cumprimento dos direitos assegurados na Lei de Execução Penal.
Os procedimentos são realizados seguindo pilares e parâmetros mínimos: cumprimento de normas jurídicas, registro apropriado e eficiente de achados; pluralidade de fontes de verificação; escuta da população afetada; perspectiva temática de analise de serviços, direitos e assistências; atenção a grupos com vulnerabilidades acrescidas; desdobramentos e outras providências.
Dessa vez, a inspeção foi temática abrangendo especificamente a saúde da URFF, com a verificação dos serviços de saúde disponibilizados às pessoas privadas de liberdade, do fornecimento de remédios, atendimentos e prescrições médicas, além da verificação de alguns casos graves de enfermidades físicas e mentais entre as privadas de liberdade. Vale destacar que a Regra 5 das Regras de Bangkok (regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras), prevê que “a acomodação de mulheres presas deverá conter instalações e materiais exigidos para satisfazer as necessidades de higiene específicas” femininas.
É o caso da mulher privada de liberdade Fátima (nome fictício), de 33 anos, mãe de três filhos, que cumpre pena por tráfico de drogas. Apesar da alegação de que o entorpecente apreendido na residência onde morava com o ex-marido era de propriedade dele, ela foi sentenciada a 9 anos de prisão. Foi no cárcere que ela passou a sofrer de uma forma severa de psoríase, doença dermatológica crônica, caracterizada pela presença de manchas de cor rosa ou vermelha que provocam intensa ardência e coceira pelo corpo, as quais apresentam significativa piora quando o (a) paciente tem uma infecção ou é submetido (a) a grande estresse emocional, entre outros fatores.
A situação registrada durante a inspeção no anexo de saúde da URFF mostrou que há, no local, escassez quase total de recursos, remédios e insumos médicos. No consultório médico do anexo, falta estetoscópio (aparelho para escuta de sons vasculares, respiratórios, cardíacos e do trato digestório), dispositivo básico para atendimentos em saúde. Da mesma forma, o profissional não dispõe de um computador ou acesso a qualquer sistema informatizado com o histórico médico das detentas. Tudo é feito de forma manual e sem os equipamentos necessários para auxiliar no diagnóstico das doenças detectadas entre as reeducandas.
Direito à saúde: exames ginecológicos e preventivos
A situação também é de precariedade no que diz respeito à possibilidade de realização de procedimentos ginecológicos entre as mulheres que cumprem penas privativas de liberdade na URFF, por falta de instrumentos e recursos.
Assim, chamou a atenção dos juízes do GMF a ausência de um programa regular para realização de exames preventivos na unidade. Como não há estrutura para realização dos procedimentos aptos a identificar e prevenir o câncer do colo do útero, as presas acabam privadas do direito básico à saúde. A inspeção revelou que, de janeiro a agosto de 2024, foram realizados, por meio de parceria com o SUS, apenas 23 atendimentos ginecológicos entre a população total da unidade, que atualmente é de 174 reeducandas. Isso corresponde a somente 13% do total de mulheres privadas de liberdade.
Também foram foram buscadas e analisadas, pelos juízes do GMF, informações acerca de três tentativas de suicídio entre as detentas.
LGBTQIA+
A unidade conta com celas especificas para a população privada de liberdade LGBTQIA+. A inspeção revelou 31 pessoas autodeclaradas LGBTQIA+ no sistema prisional. Foram seguidas as diretrizes estipuladas na Resolução no 348/2020 do CNJ e na Nota Técnica no 9/2020 da Divisão de Atenção às Mulheres e Grupos Específicos do Departamento Penitenciário Nacional.
Desdobramentos
Segundo os normativos e julgados, constatado que a número de pessoas presas nas celas excede a capacidade máxima instituída pelas Diretrizes básicas para a Arquitetura Penal editado pelo CNPCP segundo a dimensão da cela, recomenda-se oficiar à ao Instituto Penitenciário e ao Conselho Penitenciário estadual solicitando que se proceda com a certificação da capacidade real do estabelecimento penal, de acordo com o art. 3º da Resolução nº 9, de 18 de novembro de 2011 do CNPCP e o manual do CNJ “Central de Regulação de Vagas. Manual para a Gestão da Lotação Prisional”; ainda é possível adotar medidas para a redução da população prisional, tais como, determinar a concessão de saída antecipada de pessoas presas nos regimes fechado e semiaberto ou colocação em prisão domiciliar de pessoa presas diagnosticadas com doenças graves, pessoas idosas ou pessoas com deficiência.
O Estado, como consequência de sua obrigação positiva de garantir o direito à vida e à integridade pessoal, tem o dever de impedir que indivíduos sob sua custódia sejam submetidos à superpopulação, à falta de separação de presos por categorias e a condições precárias de detenção. (Corte IDH. Resolução do Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 30 de setembro de 2006. Solicitação de Medidas Provisórias apresentada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos com respeito ao Brasil a Favor das Pessoas Privadas de Liberdade na Penitenciária “Dr. Sebastião Martins Silveira” em Araraquara, São Paulo, Brasil, pág. 10)
Pontos positivos
O GMF já realizou inspeções anteriores na URFF que mostraram progressos consideráveis nas condições gerais da unidade prisional com foco nas instalações, celas, biblioteca, sala multidisciplinar, no recém inaugurado Salão Escola para formação de cabeleireiras e no acesso a outros cursos profissionalizantes, no desenvolvimento de projetos sociais e de ressocialização, entre outros.
Ainda é destaque o fato de não haver mulher grávida ou recém-nascido na URFF, situação que já foi registrada no passado. No entanto, talvez a maior conquista seja a considerável redução – de 52% – no número de mulheres vivendo no ambiente intramuros nos últimos três anos, que passou de 334, em 2021, para 174 presas, em 2024, com a aplicação das diretrizes do Conselho Nacional de Justiça para combate ao chamado estado de coisas inconstitucional (violações massivas e reiteradas de direitos) e à superpopulação nos presídios, por meio de parceria entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no âmbito do Programa Fazendo Justiça, bem como a aplicação do Plano Estadual de Alternativas Penais, alçada à condição de política pública, por meio do Decreto Lei nº 4.066/2022 da Assembleia Legislativa do Estado do Acre.
Para saber mais sobre as ações, competência, relatórios e diagnósticos situacionais do Grupo de Monitoramento e Fiscalização dos Sistemas Carcerário e Socioeducativo, acesse a página do órgão pelo link seguro: https://www.tjac.jus.br/adm/gmf.