Artigo da Semana: ‘Novo CPC também precisa se adaptar às tecnologias’

Novo CPC também precisa se adaptar às tecnologias*

Por Antonio Pessoa Cardoso**

A tecnologia da informação proporciona mudanças inimagináveis pelo homem nas suas atividades sobre todos os aspectos e em todos os segmentos; na área econômico-financeira as alterações já fazem parte da vida do empresariado; no campo jurídico é que reside grande atraso, pois ainda se usa os métodos tradicionais de trabalho e há alguma resistência para aceitação dos novos processos. Essa situação permite ainda o uso da máquina de escrever, do papel, do carimbo, da agulha e do cordão, quando deveriam ser substituídos pelo computador, pelo DVD ou pelo pen drive.

Atualmente, a ação pública ou privada do administrador, na educação, na economia, na segurança pública, na saúde ou no judiciário reclama o uso da rede mundial de computadores para boa prestação de serviços. Ganha, fundamentalmente, em agilidade e segurança.

No Brasil, o primeiro passo, em termos de legislação para o processo eletrônico, foi dado pela Lei 9.800, de 1999, que autorizou a transmissão de peças processuais por fax ou similar. Não deixou de ser um avanço significativo, mas ainda era pouco diante da tecnologia da informação.

A Emenda Constitucional 45, de 2004, promoveu alteração em vinte e cinco artigos da Constituição e acrescentou quatro novos, abrindo, dessa forma, espaço para a modernização do Judiciário. Daí nasceram o Conselho Nacional de Justiça, destinado a controlar a área administrativa e financeira do sistema, a Súmula Vinculante, que contribui para acelerar as decisões e diminuir o número de processos, a repercussão geral das questões constitucionais como requisito para recebimento do Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal.

Seguiram-se outras alterações legais: a Lei 11.280/2006, parágrafo do artigo 154 do Código de Processo Civil, autorizou os Tribunais a “disciplinar a prática e a comunicação oficial dos seus atos processuais por meios eletrônicos,…”; a Lei 11.341, de 2006, parágrafo único do artigo 541 do CPC, passou a aceitar a mídia eletrônica ou a internet como repositório de jurisprudência para comprovar divergência em recursos extraordinários e especiais; a Lei 11.382, de 2006, artigo 655-A do CPC, autorizou o juiz a requisitar “à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre existência de ativos em nome do executado…”.

Depois veio a Lei 11.419, 2006, modificando o CPC, para autorizar a tramitação do processo sem o uso do papel e promovendo verdadeira revolução no sistema judiciário brasileiro. Essa lei contribui para evitar as petições longas, acaba com os arquivos, facilita a consulta de informações e democratiza o acesso à Justiça. Preocupou-se até mesmo com eventuais dificuldades dos advogados e dos jurisdicionados, quando condicionou a adoção compulsória do sistema à disponibilização gratuita de “equipamentos de digitalização e de acesso à rede mundial de computadores à disposição dos interessados…”.

A regra impediu que os Tribunais tornassem obrigatório o peticionamento eletrônico sem suficientes equipamentos para acesso de advogados e dos jurisdicionados.

Outras dificuldades poderão ocorrer para implementação integral do sistema, mas de fácil solução. É o que acontece, por exemplo, com a eventual falha da internet, situação prevista no parágrafo 2º, artigo 10, quando prorroga o prazo para o dia seguinte à “resolução do problema”.

O maior obstáculo para obediência à lei do sistema eletrônico reside na dificuldade de acesso para advogados e jurisdicionados, residentes no interior do país, onde se depara com falhas, considerando o fato de ainda existir no Brasil municípios que não recebem o sinal da internet, além de eventuais interrupções do sinal e até de energia elétrica.

A previsão legal de suspensão do processo “por motivo de força maior”, inciso V, artigo 265 e 507 do CPC, não são suficientes para justificar os impedimentos técnicos de acesso à internet, porquanto o advogado ou jurisdicionado terão dificuldades para comprovar o fato.

Tudo isso reclama fundamentalmente interesse e participação ativa dos operadores do direito. De nada vale a máquina sem a vontade do juiz, do advogado, do defensor público, do promotor e dos serventuários. Pode acabar com o papel, o que não significa fim da morosidade das decisões judiciais que depende do raciocínio, inexistente na máquina.

Estatística do CNJ mostra que o Judiciário ainda não explorou as permissões oferecidas pela Lei 11.419; os autos em formato digital, por exemplo, representa apenas cinco por cento dos noventa milhões de processo judiciais que tramitam no Brasil, menos pela estrutura disponível, mais pela omissão dos Tribunais, onde há resistência para uso integral dos permissivos legais.

A Constituição, artigo 93, inciso XIV, estabelece que “os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório”; essa saudável prática, para integral aplicação, ainda depende de regulamentação através da Lei Orgânica da Magistratura de iniciativa do Supremo Tribunal Federal. A significação desse dispositivo situa-se na agilidade que imprimirá ao processo, através de muitos atos simples que serão praticados pelos serventuários, sem necessidade de participação do juiz.

O professor Spengler, da Duke University, observou e mostrou pontos negativos da “Machine-Made Justice”; apontou a significativa velocidade e memória da máquina, mas assegurou a superioridade do raciocínio humano. O processo digital será responsável pela agilização e pela modernização do Judiciário, mas causará estragos à vaidade do homem, sem dúvida alguma.

O advogado e o julgador perdem a tribuna, mas a parte ganha o pronunciamento rápido da Justiça; no rumo que toma a tecnologia, a tendência será a suspensão da defesa oral pelo advogado e da leitura do voto, pelo relator do processo, em sessão de julgamento; o novo sistema permite o acompanhamento das audiências de onde a pessoa estiver, bastando apenas acessar à internet; a webcam, câmara que leva a imagem a qualquer ponto do planeta, possibilita esse acompanhamento em tempo real.

Com essas alterações, já não se justificam certos privilégios gozados pela Fazenda Pública, a exemplo da invocação da intimação pessoal, artigo 17, Lei 10.910, de 2004, e por oficial de Justiça, ou o prazo diferenciado; aliás, a Fazenda Pública busca mais a manutenção de seus privilégios do que mesmo a agilidade do processo, possibilitando assim a contagem da marcha do processo não em dias ou meses, mas em anos.

Apesar da deferência concedida pelos julgadores, a Lei 11.419, de 2006, não deixa margem à dúvida de que também a Fazenda Pública terá de se adequar aos novos tempos e permitir a evolução do processo. É que o parágrafo 6º do artigo 5º da lei citada é explícito, quando assegura que “as intimações feitas na forma deste artigo, inclusive da Fazenda Pública, serão consideradas pessoais para todos os efeitos legais”.

Incoerentemente, a Procuradoria Geral do Estado da Bahia já ajuíza execução fiscal eletrônica, ou seja, presteza para arrecadar e lerdeza para pagar ou cumprir as decisões judiciais que não lhe agrada.

O próximo passo para agilização do processo situa-se nos julgamentos virtuais dos feitos que não admita sustentação oral, a exemplo dos Embargos Declaratórios, Agravos Regimentais, Conflitos de Competência, Exceção de Suspeição, inovação que poderá ser trazida pelo novo Código de Processo Civil. Os Tribunais de Justiça de São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso já implantaram esse avanço tecnológico.

O distanciamento do julgador para com o advogado não pode constituir motivo para impedir a boa prestação de serviço ao jurisdicionado, porquanto não se deve nem se pode sacrificar o direito de a parte ter o julgamento com presteza. A ocupação da tribuna não pode servir de empecilho para o julgamento virtual. Na verdade, os advogados mais românticos queixam-se dos saudosos tempos nos quais a defesa oral era sustentáculo para suas aparições públicas e para mostrar sua competência em oratória.

Espera-se que o novo Código de Processo Civil adapte o processo à evolução tecnológica, deixando margem para incorporação imediata dos novos avanços que surgirão e abandonando por completo o padrão-papel. Isso só será possível se a lei concentrar mais na tramitação do processo.

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* Artigo publicado originalmente na Revista Consultor Jurídico, em 1º de fevereiro de 2012.
** Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia.

 

 

Assessoria | Comunicação TJAC

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