Por Rodrigo da Cunha Pereira
O Superior Tribunal de Justiça julgou em 24 de abril uma de suas ações mais importantes sob o ponto de vista do alcance social e político. Ele condenou um pai a indenizar sua filha por tê-la abandonado afetivamente. Já tivemos decisões semelhantes nos tribunais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, e pioneiramente em Minas Gerais, em 2004. Também é inédito o fato de o STJ reposicionar-se sobre a questão, imprimindo-lhe força. Em 2005, ele havia negado pedido semelhante.
A revolução paradigmática desta decisão é que ela absorve de vez e põe em seu devido lugar o valor e princípio jurídico norteador e catalisador de todas as relações de família: o afeto. Para o Direito, ele vai muito além de sentimento. Não se pode obrigar ninguém a amar ninguém. Mas o Estado deve chamar à responsabilidade aqueles que não cuidam de seus filhos através da reparação civil.
A afetividade pode se traduzir como fonte de obrigação jurídica porque significa atenção, imposição de limites, convivência e todos os cuidados necessários para o desenvolvimento saudável de uma criança ou adolescente. Sem isso não há sujeito, não há humanidade. É obrigação dos pais cuidarem dos seus filhos. E aqueles que descumprem tal obrigação estão infringindo regras do Código Civil — artigo 1634, inciso II — e o princípio constitucional da paternidade responsável, devendo sofrer as sanções da lei, sob pena de ela tornar-se mera regra moral, ou seja, virar letra morta.
Um pai condenado a indenizar o filho pelo descumprimento da obrigação jurídica de educá-lo certamente se afastará ainda mais do filho. Isto é óbvio! Mas quem opta por entrar na Justiça também já esgotou todas as tentativas de aproximação e deve ter passado toda a vida esperando e mendigando algum afeto deste pai — mães dificilmente abandonam o filho — e este ato é apenas o seu grito de desespero, já que nada mais podia ser feito. Pelo menos ele pôde perguntar oficialmente: Pai, por que me abandonaste? O valor da indenização é simbólico, pedagógico e educativo e até poderia ser destinado a instituições de crianças abandonadas. Não há dinheiro no mundo que pague o abandono afetivo. Isto também é óbvio.
A dor de um filho abandonado pelo pai, que o privou do direito à convivência, de amparo afetivo, moral e psíquico e de ser cuidado por ele, afronta também o princípio da dignidade humana. Kant já tinha “cantado essa bola” há séculos em sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes: o amor enquanto inclinação não pode ser ordenado, mas o bem fazer por dever, que rende em princípios de ação e não em compaixão. É só esse amor que pode ser ordenado.
Se os pais fossem mais presentes na vida de seus filhos, desejados ou não, planejados ou não, os índices de criminalidade juvenil, gravidez na adolescência, consumo de drogas e outros sintomas de desestruturação do sujeito poderiam ser reduzidos. Daí a dimensão social e política da decisão do STJ, que apenas confirmou que os pais devem ser responsabilizados juridicamente pelo necessário dever de criação, educação e cuidado dos filhos.
____________
Rodrigo da Cunha Pereira é advogado, professor da PUC-MG e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
Artigo publicado originalmente na Revista Consultor Jurídico, edição de 26 de junho de 2012.