Criatividade supera dificuldades estruturais e assegura o julgamento de processos de Marechal Thaumaturgo em Cruzeiro do Sul
Utilizando os recursos tecnológicos disponíveis na região e contando com o apoio de servidores do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Prefeitura do Município de Marechal Thaumaturgo, o Juiz de Direito Substituto Hugo Torquato, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Cruzeiro do Sul, realizou nos dias 2 e 3 de fevereiro audiências por meio de videoconferência envolvendo as comarcas dos dois municípios, localizados no Vale do Juruá.
A Comarca de Marechal Thaumaturgo ainda não está instalada, razão pela qual está sujeita à jurisdição da Comarca de Cruzeiro do Sul, segunda maior cidade do Estado do Acre. O Município possui pouco mais de 13 mil habitantes (censo 2007), com baixo Índice de Desenvolvimento da Família (IDF), um dos menores do Brasil.
O fluxo de pessoas entre Cruzeiro do Sul e Marechal Thaumaturgo só é possível por via fluvial (dois a três dias de viagem, se o rio estiver cheio) ou aérea (aviões de pequeno porte). Na cidade, não há serviço de telefonia celular ou conexão de Internet com banda larga.
Nos processos 002.09.004969-3, 002.09.001973-5, 002.09.200191-1 e 002.09.000396-0 , em curso na 1ª Vara Criminal de Cruzeiro do Sul, há réus, vítimas e testemunhas residentes em Marechal Thaumaturgo. Intimadas para comparecimento às audiências, os cidadãos não se apresentaram em Cruzeiro do Sul, sob alegação de dificuldades financeiras para arcar com os custos de transporte e estadia.
Em situação anterior, o Juiz de Direito Substituto Alesson Brás, quando respondia pela unidade judiciária, decidiu deslocar o aparato judiciário até Marechal Thaumaturgo. Tendo em vista o direito dos réus de se fazerem presentes durante as inquirições e o fato de estarem presos determinou também que estes fossem devidamente escoltados de Cruzeiro do Sul até Thaumaturgo.
Contudo, o Instituto de Administração Penitenciária do Estado do Acre (IAPEN-AC), informou ao magistrado que não seria viável deslocar os réus até o local, devido à inexistência de presídio ou estrutura policial capaz de abrigar com segurança os detentos.
Diante disso, o juiz, ponderando o conflito entre o direito de presença em audiência e o direito à integridade física, aplicou o princípio da concordância prática ou harmonização, com fundamento na ausência de direito absoluto e, de modo analógico, na existência de hipóteses legais de atenuação do direito de presença do réu na audiência (arts. 217 e 367 do Código de Processo Penal), determinando, então, a realização das audiências em Marechal Thaumaturgo, sem a presença do réu.
No entanto, a defesa dos réus e o Ministério Público impetraram habeas corpus contra a decisão do magistrado, entendendo que ela violava os princípios do contraditório e da ampla defesa. Em razão da distribuição da ordem, o magistrado determinou a remarcação das audiências para data posterior ao julgamento pelo Tribunal de Justiça do Acre. A Câmara Criminal, por maioria, negou a ordem.
Debruçando-se sobre tais processos, o Juiz Hugo Torquato vislumbrou a possibilidade de realização das audiências no Município de Marechal Thaumaturgo, nos termos do art. 185, §2º e §8º, do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei 11.900/2009, por meio de videoconferência.
Ante as dificuldades técnicas que se apresentavam, o auxiliar judiciário Hamon Cleuton Vitor Sobrinho ficou encarregado de estudar os meios de conectar as duas comarcas, realizando inúmeros testes em conjunto com o técnico em microinformática Francisco Jucineile. A dupla contou, ainda, com o apoio do servidor José Fábio Araújo Lima dos Santos, do Centro Integrado de Cidadania de Marechal Thaumaturgo.
Usando programas leves de videoconferência, equipamentos de gravação de áudio comumente usados pelo TJAC e câmeras de vídeo da Direção do Foro da Comarca de Cruzeiro do Sul, os servidores concluíram que seria possível realizar as audiências necessárias, valendo-se da conexão de Internet via satélite utilizada pela Prefeitura de Marechal Thaumaturgo.
Assim, as audiências foram realizadas nos dias 2 e 3 de fevereiro de 2010, com inquirição de testemunhas em Marechal Thaumaturgo e acompanhamento simultâneo na sala de audiências da 1ª Vara Criminal de Cruzeiro do Sul.
Atendendo a solicitação do Juiz Hugo Torquato, a Defensora Pública Geral do Estado do Acre, Angélica Maria Silveira Gouveia Lopes, designou o Defensor Jonathan Xavier Donadoni para acompanhar as audiências realizadas em Marechal Thaumaturgo e o Defensor Celso Araújo Rodrigues para acompanhamento simultâneo na sala de audiências da 1ª Vara Criminal de Cruzeiro do Sul. Para eles foi disponibilizado canal telefônico específico, bem como para o defensor presente em Thaumaturgo e os réus.
O Ministério Público também participou do planejamento e da execução das audiências, tendo sido designado para os atos o Promotor de Justiça Iverson Rodrigo Monteiro Bueno.
No dia 2 de fevereiro o magistrado, acompanhado do auxiliar judiciário Hamon Sobrinho, do Defensor Público Jonathan Donadoni e do Promotor de Justiça Iverson Bueno, se deslocou de Cruzeiro do Sul a Marechal Thaumaturgo, para realizar as audiências.
Após alguns ajustes técnicos, que contou com o auxílio do prestador de serviços da Prefeitura de Marechal Thaumaturgo João Paulo, foi alcançada perfeita comunicação com a comarca de Cruzeiro do Sul. O vídeo e o áudio foram transmitidos com absoluta clareza, o que facilitou a condução dos atos processuais. A comunicação entre as duas unidades ocorreu por meio de áudio, vídeo e texto, de forma simultânea.